Rei dos Mangalargas

16/01/2018 Geral POR: Revista Canavieiros
Por: Marino Guerra

A escolha pelo título vai muito além da semelhança física que o fornecedor de cana e criador de Mangalarga, Ivan Aidar, tem com o Antônio Fagundes, ator que viveu o protagonista da novela da Rede Globo da década de 90. Sua experiência de mais de 50 anos com os animais e também a trajetória como líder associativista o gabaritam para receber tal referência.

Formado “naquela” -a qual segundo os seus próprios formandos, entre eles o ex-ministro Roberto Rodrigues, é a turma mais talentosa da Esalq-USP, Ivan mostra através de sua criação de cavalos, todo o conhecimento que possui para comandar a produção agrícola de diversas culturas em ambientes completamente diferentes.

Sobrinho e afilhado de Badi Aidar, um dos maiores criadores de Mangalarga da história, o produtor iniciou seu contato com o animal ainda na infância, quando, durante dois anos de sua vida, utilizou como transporte da fazenda até o município de Severínia-SP.

A partir do terceiro ano do grupo foi para São Paulo estudar e retornou para a roça somente após a formatura, iniciando os trabalhos como produtor e as histórias como criador em 1965.

O Cavalo Mangalarga

Antes de contar a história do criador, é preciso contextualizar a história da criação. O Mangalarga é brasileiro, porém seus antecessores são de origem da Península Ibérica (ponta do sudoeste europeu onde estão os territórios de Portugal, Espanha e um pequeno trecho da França). Os melhores espécimes das raças Alter e Andaluz chegaram em terras tupiniquins junto com a vinda da Família Real Portuguesa, quando foi obrigada a se mudar ao Novo Mundo fugindo do imperador Napoleão Bonaparte.

Já na América do Sul, os criadores passaram a fazer diversos cruzamentos com o objetivo de encontrar animais para desempenhar o trabalho nas fazendas da época, as quais a atividade era baseada na lida com gado, e também para a prática esportiva, a caçada do veado. Com isso a raça ideal precisava ser fácil e confortável para andar, resistência em longos períodos de trabalho ou viagens e docilidade e nobreza de caráter.

Vale lembrar que a descendência do Mangalarga não é 100% Ibérica, tendo participado dos cruzamentos, até o encontro da raça ideal cavalos árabes e ingleses.

A partir do momento da fundação da Associação de Criadores de Cavalos da Raça Mangalarga, em 1934, a mesma passou a ser responsável por definir um padrão e também a buscar, desde então, o seu melhoramento através da seleção genética.
Sendo assim, as qualidades do animal foram baseadas em quatro pilares: Morfologia, as características de cada parte do equino (pescoço, paleta, tronco, garupa e membros), todas as partes precisam ter determinada peculiaridade visando sempre garantir o melhor desempenho como, por exemplo, a garupa, a qual precisa ser ampla e comprida, isso porque um cavalo de sela precisa ter arrancadas rápidas e o motor dele, sua tração, é cada vez mais forte conforme o tamanho de sua garupa.

O desempenho é outro pilar que caracteriza o Mangalarga. Nele são observadas quatro qualidades diferentes: Galope reunido ou a postura de sua marcha; facilidade de troca de bípedes, análise de seu equilíbrio; arrancadas rápidas, relacionadas com as características da garupa e paradas bruscas, as quais é necessário certo deslize com equilíbrio, como um tenista profissional faz em uma quadra de saibro.

Os outros dois pilares da raça são sua forma de andar, onde é o observado o seu passo, trote, galope à velocidade moderadas e a marcha trotada. A comodidade é o último ponto, a qual além do desempenho e andamentos, é observado principalmente seu temperado, ele precisa ser dócil, enérgico e vivo para responder prontamente aos comandos do cavaleiro.

Todas essas características reunidas geram uma alquimia apaixonante para as pessoas que usam a raça para fazer cavalgadas, para o trabalho então nem se fala, sobre o seu uso na roça, Aidar faz uma comparação bastante inteligente. “Trabalhar em um Mangalarga é igual estar em um escritório com ar-condicionado, tamanho o conforto”.

Líder associativista

Durante quase uma década, Ivan Aidar esteve ligado diretamente, ou como membro do conselho ou como presidente, da ABCCRM (mesma entidade da década de 30 a qual a única mudança foi a inclusão da palavra “brasileira” em sua sigla) e o principal resultado colhido à frente da entidade foi conhecer criadores do Brasil inteiro, através das exposições e leilões.

Desse tempo, ele também realizou um trabalho importante levando o Mangalarga para ser conhecido no mundo todo e também os criadores nacionais verem raças de todo o planeta. Sobre suas tentativas de desenvolver um mercado internacional, Aidar fala das barreiras impostas por outros países, principalmente os mais tradicionais e ricos. Ele cita como exemplo a tentativa frustrada de realizar um leilão na Ilha da Madeira-POR, o qual foi proibido pelo governo local alegando o risco de disseminação de doença.

Regra essa que não vale no Brasil, onde o país importa muitos cavalos, principalmente Quarto de Milha e Puro Sangue Inglês (animais velozes e ágeis, muito utilizados em corridas e provas esportivas como o polo).

Dinâmica de criação

Ter uma criação de Mangalarga exige muito mais que recursos financeiros e área. Ao conhecer Ivan Aidar, a ligação entre os animais e os familiares, até mesmo como uma ferramenta de união, se compreende o fator principal de quem executa esse tipo de empreendimento: amor.

A metodologia para desenvolver sua tropa consiste no momento da ovulação das fêmeas, onde é liberado para os machos cobrirem ou executar o processo de inseminação, como um capricho da natureza, tanto a época de acasalamento como o fim da gestação (11 meses depois), acontecem sempre na primavera. Feito o parto, os potros ficam com as éguas até a desmama, quando são levados para uma fazenda no Mato Grosso.

A decisão por levar os animais para outra localidade é devida a uma relação espaço/valor da terra, a qual na fazenda de Severínia, a terra é muito valiosa devido ao canavial. Já no Centro Oeste é possível desenvolver pastos maiores para os jovens animais se desenvolverem.

Durante esse período é iniciado o processo de doma dos potros. Passados três anos, eles voltam a São Paulo para serem domados e depois ficam disponíveis à venda, geralmente em exposições e leilões.

Sobre a infraestrutura necessária para se ter uma criação, a pastagem é um dos principais itens, isso porque é preciso um pasto nutritivo, adubado com calcário e fósforo, para fortalecer a estrutura óssea e muscular dos animais. Se não for possível ter essas características no pasto, é necessário a complementação da sua alimentação através de ração. Caso tenha a presença de algum garanhão, é preciso a construção de uma cocheira, pois eles só podem ficar perto das éguas na hora de cobrir.

O ponto mais curioso da criação de Ivan Aidar é sem dúvida a forma como ele nomeia seus cavalos. Para saber exatamente a sua linhagem e também a idade de cada membro de sua manada, ao nascer, cada potro recebe o seu nome baseado na linhagem de sua mãe e com a letra inicial obedecendo uma ordem alfabética.
Como exemplo ele cita o caso da égua Ibiúna, a qual todo macho que nasce dela, ou de alguma filha sua, recebe o nome de um ídolo do São Paulo, sendo assim já foram batizados animais como Forlán, Murici,Lugano, Raí, Telê e até mesmo Kanhoteiro com K, isso devido a escassez de atletas onde a consoante inicial (o leitor vai pensar no Kaká, porém já tem um equino com esse batismo). Se nascerem éguas dessa linhagem, são batizadas com apelidos das sobrinhas do criador.

Nesse sentido a criatividade corre solta, existe a linhagem da Usina, a qual já gerou o Engenho, Destilado, Usineira, Sacarose e até mesmo a Orplana; Silady, inspiração das descendentes cujos nomes se referem à cultura da sacanagem, isso porque o criador lembrou da Lady Godiva (nobre inglesa que desfilou pelas ruas nua montada a cavalo), nesse sentido ela gerou a Erótica, o Gigolô, a Profana. Existem famílias mais comuns nesse sentido, há linhagens que se referem a nomenclaturas de peixes, cidades e praias.

Todo esse método tem a inspiração também baseada em uma questão de linhagem, o criador, onde seus antecessores são de origem árabe, carrega uma filosofia a qual diz que as mães sempre são as mais importantes, pois são elas responsáveis por aleitar e educar os filhos, ou seja, por isso a escolha pelas éguas matriarcas como a referência de cada família.

Mercado e Lucro

Os tipos de clientes de Aidar se dividem em dois grupos. O primeiro, e hoje maior, são os que compram para realizar cavalgadas como lazer ou esporte, esse perfil se divide em dois: o primeiro é baseado principalmente em pessoas residentes em grandes centros urbanos e possuidores de alguma casa de campo ou chácara, a qual frequentam aos finais de semana, e como algum membro ou a família toda gosta de cavalgadas, acabam adquirindo o Mangalarga. O segundo grupo são os proprietários de hotéis fazenda ou pousadas em regiões montanhosas, que fornecem o passeio de montaria como item de recreação.Segundo o criador, há relatos de clientes dessa categoria, onde existem hóspedes que viajam duas ou até mesmo três vezes ao ano, pelo simples prazer de ter um contato direto com a natureza ao entrar nela sendo transportado por um cavalo.

Outro público é formado por fazendeiros ou até mesmo outros criadores que compram o macho Mangalarga para cruzar com éguas comuns e assim ter um animal bom para os peões utilizarem no dia-a-dia da roça. Sob esse aspecto, Ivan lembra das características de cada raça, a qual é muito boa para montaria, no entanto não é interessante na execução de serviços de tração.

Sobre o valor médio de venda, segundo o entrevistado, é muito difícil definir, isso porque funciona igual jogador de futebol, onde a diferença monetária entre um animal e outro pode atingir um abismo gigantesco. “Cavalo é igual jogador de futebol. O Pelé valia R$ 1 bilhão, enquanto que o Babalu (não o craque do futsal, mas um centroavante contemporâneo do camisa 10 do Santos que atuava nos clubes da região de Severínia), não valia um tostão”, brinca Ivan.

Entrar nesse negócio para ter lucratividade é uma tarefa muito complicada, o produtor fala em épocas as quais é necessário até se colocar dinheiro na atividade, no entanto ele lembra do seu valor agregado. “Se eu for mensurar como lucro o fato de sair um final de tarde e cavalgar durante duas horas, ou então reunir minha família aos sábados para montar, ou até mesmo receber a visita de queridos amigos feitos ao longo da vida e também através da atividade com os animais e colocar o papo em dia em um passeio e as recordações das visitas que fazia todos os domingos à propriedade do meu tio para tomar café com ele nas quais usava o cavalo como transporte. Tudo isso somado faz a atividade ser muito recompensadora”.