Durante a cúpula do G20, realizada recentemente no Rio de Janeiro, uma das iniciativas mais debatidas foi o lançamento de uma aliança global contra a fome e a pobreza, com foco em reduzir desigualdades sociais e promover segurança alimentar em escala mundial. O professor emérito da FGV e ex-ministro da Agricultura, Roberto Rodrigues, compartilhou suas análises sobre a iniciativa e os desafios para sua implementação.
Rodrigues: “A aliança global contra fome e pobreza é uma aposta muito boa, mas precisa de ação concreta”
Rodrigues elogiou a proposta, destacando sua relevância global, mas alertou para a necessidade de transformar discursos em ações práticas e efetivas.
“A aposta é muito boa, a iniciativa é positiva e importante, mas tem que sair do discurso. É preciso uma agenda concreta que envolva políticas públicas dos países desenvolvidos ajudando os países em desenvolvimento, onde a miséria é mais forte”.
Ele também mencionou a questão dos subsídios agrícolas, ressaltando que, embora sejam uma ferramenta importante, demandam cuidado para evitar desvios de recursos e outros problemas.
“A aliança só terá efeito se os países organizarem um sistema realista e colaborativo, superando promessas vazias, como os 100 bilhões de dólares prometidos por países desenvolvidos para questões ambientais que nunca se concretizaram”.
Tecnologia versus fome: o desafio do acesso
Apesar dos avanços tecnológicos na produção agrícola, o ex-ministro destacou que o principal obstáculo à erradicação da fome está no poder aquisitivo e na logística, e não na oferta de alimentos. Ele enfatizou que o mundo já produz comida suficiente para todos, mas enfrenta desafios significativos no acesso e na distribuição.
“Temos mais de 20% de perdas globais de alimentos devido à falta de infraestrutura e logística. O problema maior, no entanto, é o poder aquisitivo. É preciso investir em geração de empregos e capacitação para que as pessoas possam se sustentar”.
Para Rodrigues, países ricos precisam assumir um papel mais ativo na construção de infraestruturas em regiões vulneráveis, como portos, rodovias e armazéns, especialmente na África e na Ásia.
“Um país pode ajudar na produção, mas não pode resolver a logística de outro. O Brasil, por exemplo, exporta para mais de 190 países, mas não pode criar rodovias ou portos nesses locais. Isso exige uma ação global, liderada pelos países ricos”.
A força do Brasil na segurança alimentar
Rodrigues destacou o papel pioneiro do Brasil em segurança alimentar, citando o sucesso do programa Fome Zero, implementado durante o primeiro governo do presidente Lula. Segundo ele, o modelo brasileiro, que combinava esforços do setor privado com políticas públicas eficientes, é um exemplo que pode ser replicado globalmente.
“Milhões de brasileiros saíram da miséria graças ao Fome Zero. Foi um período marcante de redução das desigualdades sociais, com distribuição eficiente de alimentos”.
No entanto, o ex-ministro alertou para os riscos de políticas sociais que criem dependência, como o Bolsa Família, sem incentivar a geração de empregos.
“Não podemos criar um modelo em que as pessoas dependam eternamente do Estado. O trabalho é o motor que gera riqueza e permite acesso permanente aos alimentos e bens de consumo”.