Entrevista: Eça Correia - Sócio da Quasar Asset Management
O principal ponto que trava o desenvolvimento ainda maior do agro nacional é a encruzilhada entre capital e logística, o que faz com que o veículo simplesmente fique parado e o motorista pensando em como irá prosseguir entre os dois caminhos esburacados.
Do lado do capital, com a redução cada ano maior do crédito público, os produtores terão que recorrer a fontes privadas para financiar suas safras. Nesse momento de transição, como é natural, diversas alternativas estão surgindo, o que é positivo por gerar concorrência, e com o tempo, as mais estruturadas acabaram se consolidando com a fatia recém-surgida do mercado.
Dentre essas alternativas surge a participação de fundos de investimento que - ao enxergar a força e competência do agro nacional, praticamente uma ilha de prosperidade dentro de um mar onde a burocracia, o peso governamental e a corrupção atuam como uma lama movediça perante qualquer iniciativa empreendedora -, se sentem seguros em depositar recursos objetivando ganhos futuros.
Ao olhar o caminho logístico, é perceptível que as suas condições de tráfego são bem piores em relação ao capital, isso porque há carências desde a colheita até a chegada do produto ao seu destino.
Lógico que nessa conjuntura a questão do escoamento talvez seja a mais latente por ser ineficiente e elevar o preço do frete, além de causar perdas por causa da baixa velocidade e dos acidentes.
Contudo, principalmente olhando a rentabilidade do produtor, a armazenagem, ou a falta dela, acarreta numa queda brusca do poder de negociação, tanto observando a compra de insumos como a venda da produção, pois de uma maneira lógica, o negócio acaba sendo fechado às pressas, pagando o preço do dia, o que dificilmente terá a coincidência de ser o ótimo no quesito preço.
Perante essas condições, a Quasar Asset Management - termo que traduzido significa gestão de ativos e no mundo financeiro remete ao conjunto de práticas que envolvem a aquisição, a utilização e a manutenção do patrimônio de uma empresa ou pessoa física visando tirar o melhor proveito dele -, se apresenta ao mundo agro com um interessante produto que poderá ser um caminho viável para que diversos atores resolvam os seus problemas de estocagem.
Confira os detalhes na entrevista com um dos sócios do fundo, Eça Correia, realizada após a sua apresentação durante a Conferência Internacional Datagro Sobre Açúcar e Etanol.
Revista Canavieiros: Para começarmos, gostaria que fizesse um resumo do que é a Quasar Asset Management, por favor.
Eça Correia: A Quasar é uma gestora de ativos criada em 2016 com o intuito de oferecer alternativas de crédito privado para o mercado. Hoje, temos R$ 5 bilhões sob gestão, 50 pessoas em nosso quadro funcional e a missão de continuar crescendo por meio de produtos inéditos e que atendam às demandas do mercado. No campo do agronegócio, a ideia é ser um parceiro que permita aos integrantes do setor crescer de forma eficiente e com segurança.
Revista Canavieiros: Qual a especialidade da Quasar e por que a tomada de decisão de entrar no mundo do agronegócio?
Correia: Somos especialistas em criar produtos financeiros que atendam às necessidades dos clientes. Optamos por não nos concentrar num setor, mas na forma pela qual podemos atender.
Assim, entrar no setor agro foi um caminho natural, isso porque é um setor muito resiliente, mas que ao mesmo tempo tem gargalos enormes que poderiam ser mitigados com o emprego adequado do capital.
A greve dos caminhoneiros de 2018 acendeu uma luz vermelha sobre a forma pela qual se administra a estrutura de armazenagem no Brasil e identificamos ali um potencial para auxiliar o agro, ou seja, atuar como um agente catalisador de financiamento tendo em vista a deficiência de infraestrutura para armazenagem e logística.
Revista Canavieiros: Então o foco de vocês para o setor agro é a questão de logística e armazenagem, dois temas com demandas gigantescas. Sendo assim, vocês pretendem trabalhar de uma maneira mais macro como, por exemplo, na construção de estradas, portos, ferrovias, armazéns, entre outros temas ou terão um foco específico?
Correia: O fundo está nascendo com um capital autorizado de R$ 10 bilhões. É nossa estratégia comprar ou construir ativos de armazenagem na cadeia do agro por todo o país. Não há restrição de localização ou tipo de cultura, mas apenas que sejam ativos que armazenem itens da cadeia do agro (fertilizantes, insumos, grãos, etanol, açúcar etc.).
Revista Canavieiros: O senhor se referiu a comprar, então, o plano não é financiar uma eventual compra ou construção?
Correia: Queremos também financiar construções de ativos de armazenagem. É um grande foco do fundo.
Revista Canavieiros: Mas e quanto à compra? Como funciona essa dinâmica?
Correia: Fazemos uma avaliação independente e pagamos o valor de mercado do ativo.
Revista Canavieiros: E então o interessado paga uma espécie de aluguel?
Correia: Exato. Aluguel fixo, corrigido pelo IPCA anualmente. No prazo do contrato de locação, o fundo pode fazer todas as obras necessárias para atualizar tecnologicamente o ativo ou mesmo para aumentar a capacidade de armazenagem.
Revista Canavieiros: E qual é a vantagem desse modelo frente à empresa ou fazenda investir numa estrutura própria?
Correia: Algumas. Primeiro, a empresa não precisa imobilizar um capital que pode ser melhor empregado na sua atividade-fim (terra, grãos etc.). Segundo, ela pode aproveitar esse capital para diminuir suas dívidas (alavancagem). Terceiro, ela pode diversificar sua estrutura de capital, com prazos bem longos e financiadores diferentes. Quarto, existe um componente de diversificação e diminuição do risco envolvido numa operação como essa, uma vez que são transações que não demandam garantias financeiras e, portanto, liberam o patrimônio da empresa.
Revista Canavieiros: Dentro do setor sucroenergético, de onde virá a maior demanda?
Correia: Acreditamos que as principais demandas virão de interessados em incrementar a estrutura de armazenagem para açúcar porque permite uma administração muito mais eficiente do produto. Tem também o setor de etanol (de cana-de-açúcar e milho) no contexto da necessidade premente de tancagem.
Revista Canavieiros: Durante a Conferência da Datagro, o setor de distribuição de combustível apontou para a capacidade de entregar etanol a preço competitivo no Brasil todo como um dos desafios num ambiente de RenovaBio. Vocês imaginam que essa alternativa pode ajudar a melhorar esse cenário? De que maneira?
Correia: Com certeza, este é um dos gargalos que queremos ajudar a destravar. O fundo está preparado para ajudar o setor a construir a infraestrutura necessária para atender a esta demanda.
Revista Canavieiros: Há algum pé atrás em relação ao setor sucroenergético em decorrência do momento de alta alavancagem que ainda vive?
Correia: Entendemos que o setor vive de ciclos e possui uma dinâmica própria, ou seja, é preciso conviver com as especificidades dos players.
Revista Canavieiros: Existem projetos iniciados?
Correia: Sim, hoje temos vários projetos em andamento.
Revista Canavieiros: Poderia citar alguns?
Correia: Ainda não porque estão sob cláusula de sigilo. Poderemos falar dos projetos a partir do mês de dezembro.
Revista Canavieiros: Sobre armazenagem de insumos agrícolas, o quanto o Brasil é carente?
Correia: Os EUA têm 80% das propriedades rurais com armazenagem. Na Argentina são 40%. O Brasil conta com apenas 24%. Esse dado, aliado ao fato de que a fronteira agrícola no país vem crescendo, faz com que o mapa de armazenagem esteja mal distribuído e não atenda às necessidades dos produtores.
Revista Canavieiros: Talvez parte do motivo desse cenário seja devido à falta de segurança no campo. Como vocês enxergam essa questão?
Correia: Realmente falta segurança no campo. Não é de hoje e neste governo o assunto vem recebendo tratamento mais adequado. Mas entendemos que esse não é dos principais fatores de decisão do produtor, sobre ter ou não sua estrutura de armazenagem. A cultura patrimonialista do produtor, bem como a necessidade de abrir mais áreas para produção, faz com que se dê preferência ao crescimento da lavoura em detrimento ao incremento da área de armazenagem. Normal para um país que ainda não atingiu sua maturidade em termos de área produtiva e terá que fornecer 40% do alimento que o mundo consumirá nos próximos 50 anos.