Bonds de usinas viram pó e tiram o sono de credores

09/03/2016 Cana-de-Açúcar POR: Valor Econômico
Ainda que a "sorte" tenha virado para as usinas de açúcar e etanol, diante dos preços mais atrativos dos dois produtos, muitos investidores que apostaram no segmento no passado recente ainda não têm motivos para comemorar. É o caso daqueles que adquiriram títulos de dívida externa emitidos por empresas sucroalcooleiras. Em média, esses papéis valem atualmente menos de 20% do seu valor original, e mesmo os credores com garantias encaram longas batalhas judiciais para tentar executá-las, em geral sem sucesso.
Nos últimos cinco anos, quatro empresas da área emitiram bonds, num valor total que chega a US$ 1,8 bilhão. Atualmente, esses papéis são negociados no mercado por entre 2,5% e 45% dos seus valores originais, a depender da situação financeira da usina e da existência ou não de garantias. Somados, os papéis valem hoje ao redor de US$ 275 milhões.
O motivo desse elevado deságio está nas limitadas chances de recuperação do crédito no longo prazo. Das quatro companhias emissoras, duas entraram em recuperação judicial (Aralco e Tonon Bioenergia) e uma não paga os cupons semestrais há mais de um ano e meio (Grupo Virgolino de Oliveira, o GVO). Apenas a USJ Açúcar e Álcool não deu calote até o momento, mas seus bonds foram contaminados e atualmente são negociados por cerca de 30% de seus valores de face.
Pesa, ainda, o fato de que apenas 25% do valor total emitido pelas empresas têm garantias reais, a maior parte terras, produção agrícola e maquinários. Mesmo esses papéis vêm dando muita dor de cabeça aos investidores, que não conseguem autorização judicial para executar as garantias, conforme especialistas ouvidos pelo Valor. Como são ativos operacionais, deles depende a continuidade da atividade da empresa, explica Guilherme Ferreira, sócio e gestor dos fundos especializados em recuperação de crédito inadimplente da Jive Investments. Por isso, explica, a Justiça brasileira tem negado os pedidos dos credores para executar garantias, sob o argumento de que isso poderia inviabilizar o negócio.
Em um caso incomum, o Bank of New York Mellon (BNYM), agente fiduciário dos detentores dos títulos da Tonon Bioenergia, obteve decisão favorável do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ¬SP) para assegurar que as garantias (derivados de cana) dadas aos bonds não fossem vendidas e o dinheiro pudesse ser usado pela empresa. No entanto, a Justiça ainda não permitiu que o credor executasse a garantia. Apenas determinou que os recursos obtidos com a comercialização fossem depositados em conta judicial até o julgamento do caso pelo colegiado.
Ocorre que alguns bondholders não entenderam o perfil das garantias oferecidas pelas usinas quando entraram no segmento, avaliou o sócio da gestora Canvas Capital, Rafael Fritsch. "Achavam que eram mais sólidas do que realmente são", disse.
A gestora detém dois fundos de recuperação de créditos inadimplentes (distressed) e pelo menos desde 2010 avalia a atratividade de títulos de açúcar e etanol. "Já olhamos todas as empresas que emitiram bonds", conta Fritsch. No entanto, a gestora vem sustentando a decisão de não entrar nesse mercado. Além da falta de liquidez das garantias, o especialista argumenta que há pouca clareza sobre os planos de viabilidade do segmento e dessas empresas. "Até o momento, foi uma decisão acertada", ressaltou Fritsch.
Na sua avaliação, um título sem garantia vale menos de 10% do seu valor original. "Historicamente, o nível de recuperação desse tipo de crédito é menor que 10%", afirmou.
Já estão abaixo desse nível os dois bonds sem garantia da GVO, que somam US$ 600 milhões e hoje são negociados a cerca de 3% do seus valores originais, e também o bond sem garantia da Aralco, de US$ 250 milhões e que já vale menos de 3%.
"Não tenho dúvidas de que a maior parte desses títulos já está na carteira de fundos de recuperação de créditos inadimplentes. Eles compram por 10% do valor de face e entram na briga para vender por 15%. Para eles, já é um bom negócio", afirma um advogado envolvido em negociações com bondholders.
A dívida das quatro usinas com emissão de bonds, atualmente na casa dos R$ 7 bilhões, considerando o câmbio de R$ 3,90 é só a ponta de um iceberg que cresceu nos últimos anos. Juntas, elas representam menos de 10% da dívida total do segmento, estimada em R$ 85 bilhões pela consultoria Agroconsult.
Conforme especialistas, o default das emissoras de bonds era uma "morte anunciada". Uma parte dos grupos que emitiram dívida externa, relatam fontes do setor, o fez após já ter estourado seus limites de crédito em bancos. Com o dinheiro captado, "trocaram" a dívida bancária por débitos com bonds em dólar. A guinada da moeda americana do patamar de R$ 2 para os atuais cerca de R$ 4, tornou insustentável o que já era uma dívida elevada.
"Não existe uma experiência anterior que nos permita prever quando esses créditos serão pagos", diz o analista de açúcar e etanol da agência Fitch, Cláudio Miori. O que se tem visto, constata, é que os processos de recuperação judicial têm sido muito longos, com prazo de até dez anos para serem resolvidos. "No Brasil, o número de empresas em recuperação que voltaram à normalidade é muito baixo".
Miori observa que, mesmo que as condições de mercado para açúcar e etanol tenham melhorado, essas empresas terão que ser mais eficientes para se recuperarem. "Vale lembrar que, com o dólar a US$ 4, o quadro é mais complicado", analisa. 
Ainda que a "sorte" tenha virado para as usinas de açúcar e etanol, diante dos preços mais atrativos dos dois produtos, muitos investidores que apostaram no segmento no passado recente ainda não têm motivos para comemorar. É o caso daqueles que adquiriram títulos de dívida externa emitidos por empresas sucroalcooleiras. Em média, esses papéis valem atualmente menos de 20% do seu valor original, e mesmo os credores com garantias encaram longas batalhas judiciais para tentar executá-las, em geral sem sucesso.
Nos últimos cinco anos, quatro empresas da área emitiram bonds, num valor total que chega a US$ 1,8 bilhão. Atualmente, esses papéis são negociados no mercado por entre 2,5% e 45% dos seus valores originais, a depender da situação financeira da usina e da existência ou não de garantias. Somados, os papéis valem hoje ao redor de US$ 275 milhões.

O motivo desse elevado deságio está nas limitadas chances de recuperação do crédito no longo prazo. Das quatro companhias emissoras, duas entraram em recuperação judicial (Aralco e Tonon Bioenergia) e uma não paga os cupons semestrais há mais de um ano e meio (Grupo Virgolino de Oliveira, o GVO). Apenas a USJ Açúcar e Álcool não deu calote até o momento, mas seus bonds foram contaminados e atualmente são negociados por cerca de 30% de seus valores de face.
Pesa, ainda, o fato de que apenas 25% do valor total emitido pelas empresas têm garantias reais, a maior parte terras, produção agrícola e maquinários. Mesmo esses papéis vêm dando muita dor de cabeça aos investidores, que não conseguem autorização judicial para executar as garantias, conforme especialistas ouvidos pelo Valor. Como são ativos operacionais, deles depende a continuidade da atividade da empresa, explica Guilherme Ferreira, sócio e gestor dos fundos especializados em recuperação de crédito inadimplente da Jive Investments. Por isso, explica, a Justiça brasileira tem negado os pedidos dos credores para executar garantias, sob o argumento de que isso poderia inviabilizar o negócio.
Em um caso incomum, o Bank of New York Mellon (BNYM), agente fiduciário dos detentores dos títulos da Tonon Bioenergia, obteve decisão favorável do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ¬SP) para assegurar que as garantias (derivados de cana) dadas aos bonds não fossem vendidas e o dinheiro pudesse ser usado pela empresa. No entanto, a Justiça ainda não permitiu que o credor executasse a garantia. Apenas determinou que os recursos obtidos com a comercialização fossem depositados em conta judicial até o julgamento do caso pelo colegiado.
Ocorre que alguns bondholders não entenderam o perfil das garantias oferecidas pelas usinas quando entraram no segmento, avaliou o sócio da gestora Canvas Capital, Rafael Fritsch. "Achavam que eram mais sólidas do que realmente são", disse.
A gestora detém dois fundos de recuperação de créditos inadimplentes (distressed) e pelo menos desde 2010 avalia a atratividade de títulos de açúcar e etanol. "Já olhamos todas as empresas que emitiram bonds", conta Fritsch. No entanto, a gestora vem sustentando a decisão de não entrar nesse mercado. Além da falta de liquidez das garantias, o especialista argumenta que há pouca clareza sobre os planos de viabilidade do segmento e dessas empresas. "Até o momento, foi uma decisão acertada", ressaltou Fritsch.
Na sua avaliação, um título sem garantia vale menos de 10% do seu valor original. "Historicamente, o nível de recuperação desse tipo de crédito é menor que 10%", afirmou.
Já estão abaixo desse nível os dois bonds sem garantia da GVO, que somam US$ 600 milhões e hoje são negociados a cerca de 3% do seus valores originais, e também o bond sem garantia da Aralco, de US$ 250 milhões e que já vale menos de 3%.
"Não tenho dúvidas de que a maior parte desses títulos já está na carteira de fundos de recuperação de créditos inadimplentes. Eles compram por 10% do valor de face e entram na briga para vender por 15%. Para eles, já é um bom negócio", afirma um advogado envolvido em negociações com bondholders.
A dívida das quatro usinas com emissão de bonds, atualmente na casa dos R$ 7 bilhões, considerando o câmbio de R$ 3,90 é só a ponta de um iceberg que cresceu nos últimos anos. Juntas, elas representam menos de 10% da dívida total do segmento, estimada em R$ 85 bilhões pela consultoria Agroconsult.
Conforme especialistas, o default das emissoras de bonds era uma "morte anunciada". Uma parte dos grupos que emitiram dívida externa, relatam fontes do setor, o fez após já ter estourado seus limites de crédito em bancos. Com o dinheiro captado, "trocaram" a dívida bancária por débitos com bonds em dólar. A guinada da moeda americana do patamar de R$ 2 para os atuais cerca de R$ 4, tornou insustentável o que já era uma dívida elevada.
"Não existe uma experiência anterior que nos permita prever quando esses créditos serão pagos", diz o analista de açúcar e etanol da agência Fitch, Cláudio Miori. O que se tem visto, constata, é que os processos de recuperação judicial têm sido muito longos, com prazo de até dez anos para serem resolvidos. "No Brasil, o número de empresas em recuperação que voltaram à normalidade é muito baixo".

 
Miori observa que, mesmo que as condições de mercado para açúcar e etanol tenham melhorado, essas empresas terão que ser mais eficientes para se recuperarem. "Vale lembrar que, com o dólar a US$ 4, o quadro é mais complicado", analisa.