Silvana Creste - Pesquisadora do IAC
Em recente entrevista à Revista Canavieiros, a pesquisadora Silvana Creste apresentou detalhes sobre uma importante descoberta relacionada à transmissão da escaldadura das folhas em cana-de-açúcar. Ao longo da pesquisa, a equipe creditou à cigarrinha-das-raízes como vetor responsável pela disseminação da bactéria Xanthomonas albilineans, causadora da doença até então associada apenas a instrumentos de corte.
A descoberta envolveu percepção, tecnologia de muda sadia e um estudo multidisciplinar que enfrentou desafios complexos no campo e no laboratório. Nesta entrevista, Silvana fala dos impactos da doença, as estratégias de manejo e as perspectivas para novas colaborações científicas. Confira!
Revista Canavieiros: Como vocês chegaram à descoberta de que a cigarrinha-das-raízes é responsável pela transmissão da escaldadura das folhas da cana? Quais foram os principais desafios no processo de pesquisa?
Silvana Creste: A literatura recente revelou que a X. albilineans, agente causal da escaldadura das folhas, possui características genéticas distintas de todas as demais Xanthomonas, além da presença de um sistema de secretório tipo III encontrado em patógenos transmitidos por insetos. Nós desenvolvemos a tecnologia INVICTA de muda sadia de cana, e verificamos tanto por sintomas visuais como por análises de laboratório, que uma área de viveiro de cana planta, sem histórico de entrada de instrumentos de cortes (até então a forma conhecida de transmissão da doença) estava misteriosamente contaminada com a doença, e que isso aconteceu após uma infestação de cigarrinha-das-raízes. Como a bactéria coloniza predominantemente o xilema da planta, a transmissão precisa acontecer por meio de um inseto capaz de acessar esses vasos, como faz a cigarrinha para sugar a seiva da planta. Delineamos um ensaio experimental com a ajuda do dr. Guilherme Rossi, entomologista molecular da Unesp Jaboticabal, e focamos no problema. Os desafios foram a coleta da cigarrinha no campo e a criação em laboratório para montagem do ensaio.
Revista Canavieiros: A escaldadura é uma das principais doenças bacterianas da cana-de-açúcar. Em sua opinião, quais são os impactos mais graves dessa doença na produção e qualidade da cana? Há variedades mais vulneráveis?
Silvana: Sim, a escaldadura é a principal doença da cana, principalmente por não haver cura das plantas infectadas. Além disso, a maioria das plantas infectadas não apresenta sintomas visíveis. Os danos dependem da variedade, ciclo da planta, agressividade do isolado, disponibilidade de água e da interação entre todos esses fatores.
Revista Canavieiros: Considerando que a transmissão pela cigarrinha-das-raízes é uma novidade, quais estratégias de manejo podem ser adotadas para minimizar os danos causados pela doença?
Silvana: A melhor forma de manejo é o uso de mudas sadias e o controle da cigarrinha.
Revista Canavieiros: O desenvolvimento de variedades resistentes ao inseto é uma solução viável?
Silvana: Sim, com certeza essa descoberta traz um novo olhar para o desenvolvimento de variedades resistentes ao inseto.
Revista Canavieiros: A pesquisa envolveu uma ampla equipe de especialistas de diversas instituições. Como foi a colaboração entre essas instituições e quais foram as principais contribuições de cada uma?
Silvana: A equipe de especialistas representa minha rede multidisciplinar de colaboradores em pesquisa de cana nas instituições públicas de pesquisa, e a participação de cada um foi relevante para o desfecho final que resultou nessa descoberta.
Revista Canavieiros: Qual tecnologia foi usada para essa descoberta e como ela pode contribuir para melhorar a sanidade das mudas?
Silvana: O permitiu essa descoberta foi a utilização da tecnologia de muda sadia INVICTA do IAC, que envolve a limpeza clonal em laboratório acrescida de métodos avançados de biologia molecular para checagem da sanidade das plantas. Ela permitiu a rastreabilidade de todo processo, pois tínhamos convicção de que toda área do viveiro foi plantada com muda sadia checada em laboratório. Sanidade é algo que se tem ou não se tem (não existe uma planta meio doente ou meio sadia), e pode ser verificada por análises em laboratórios especializados, como o do Centro de Cana, IAC.
Revista Canavieiros: Quais são os próximos passos da pesquisa? Há alguma outra espécie de cigarrinha que possa ser investigada como vetor da bactéria? E quanto ao desenvolvimento de novas estratégias de controle?
Silvana: Os próximos passos podem envolver a investigação se outras espécies de cigarrinha da cana são capazes de transmitir a doença e definir estratégias de manejo para controle.
Revista Canavieiros: Para os produtores que já enfrentam infestações, o que pode ser feito para recuperar as plantas afetadas?
Silvana: Infelizmente não há nada a ser feito, pois a escaldadura não tem cura. A única forma de recuperar um genótipo é por meio da limpeza clonal em laboratório de cultura de meristema, seguido da checagem da sanidade por diagnósticos em laboratórios que detêm a tecnologia de análise.