Estudo revela que produtores mais jovens e com maiores propriedades têm usado mais plataformas virtuais de compra e venda
A tecnologia é uma tendência. O que antes era sinônimo de facilidade na vida cotidiana hoje é mais que uma necessidade, se tornou essencial. Em tempos onde estar longe fisicamente, mas perto virtualmente é indispensável, saber usar as ferramentas que possibilitam essa comunicação é importante.
A pandemia da Covid-19 apresentou novos rumos para as relações interpessoais e antecipou algo que estava engatinhando, o uso das tecnologias para as mais diversas necessidades humanas. Somente no ano passado, segundo uma pesquisa feita pelo Instituto Locomotiva, as compras feitas através de aplicativos cresceram 30% no Brasil.
De olho nessa fatia do mercado, que ganhou força principalmente nesse período de pandemia, várias empresas ao redor do planeta têm buscado aprimorar seus processos, ao mesmo tempo em que procuram reduzir custos e melhorar a sua produtividade.
No campo, os produtores que tem encarado esse desafio de frente e estão abertos a uma agricultura mais digital tem um perfil específico: geralmente são jovens, com grandes propriedades e uma feição por usar um ou mais aplicativos. É o que mostra uma pesquisa realizada pela McKinsey e apresentada durante evento organizado pelo Instituto Insper Agro Global e pelo Cebri — Centro Brasileiro de Relações Internacionais.
A pesquisa contou com a participação de 600 produtores rurais de diferentes culturas e regiões do Brasil. Foram analisadas propriedades produtoras de algodão, grãos, cana-de-açúcar e café; produtores do Matopiba (Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia); e produtores de grãos do sul do país.
“Analisamos cinco pontos principais com foco na digitalização. Estudamos a compra de maquinários; como é feita a comercialização da produção; agricultura de precisão, inovação e tecnologia; planejamento, serviços financeiros e sustentabilidade. A primeira grande mensagem é com respeito à digitalização. O Brasil continua na vanguarda da digitalização na agricultura. Antes da pandemia, o país já tinha o agricultor que mais usava os meios digitais para suas transações e esse número deu um salto de 10 pontos percentuais, (saltou de 36% para 46%), até maior do que em outros países”, analisa o sócio-sênior e líder de agronegócios da McKinsey na América latina, Nelson Ferreira.
O estudo apontou onde o agricultor utiliza essa digitalização. Ao contrário do que se pensava, o ‘homem do campo’ não faz o uso da tecnologia simplesmente para ‘botar um preço’ em seus produtos. O mapeamento revelou que, ao longo do processo de jornada digital, o agricultor realiza a compra de produtos, faz pesquisas e comparações de preços; avaliações, cotações e compra efetiva; suporte técnico; devolução e recompra.
“Ao longo da jornada essa digitalização é intensa, mas obviamente sobre uma cotação de preço, ela é muito intensa. Isso traz uma implicação muito grande que é a necessidade de você desenvolver peças digitais que abranjam ponta a ponta da jornada deste agricultor”, explica Ferreira.
O que é ser digital?
Na visão de alguns dos agricultores, a digitalização no Brasil ainda é muito ligada ao uso do “whatsApp”. A ferramenta de acordo com o estudo da McKinsey é usada por pelo menos 55% dos entrevistados.
Os produtores confirmaram que usam o aplicativo para suas transações digitais, para troca de mensagens, pagamentos via pix e para a realização de reuniões através de videochamada. Apesar de não ser uma ferramenta criada exclusivamente para este fim, o uso do whatsApp se tornou comum.
De olho na oportunidade de oferecer uma alternativa segmentada para este mercado, empresas investiram na criação de aplicativos, ou sites. “Começaram a surgir plataformas e ‘marketplaces’ que não tinham aparecido antes. Oito foram mencionadas ainda de forma muito fragmentada e isso ainda está emergindo.Existe um espaço bastante grande a nosso ver para elas crescerem e conquistarem espaço maior dentro da plataforma de serviços digitais que podem atender ao agricultor” comenta Nelson Ferreira.
Apesar de estarem cada vez mais presentes, essas tecnologias ainda são pouco utilizadas pelos produtores. Um dos motivos, apontou a pesquisa, é com relação à experiência do usuário, já que nem todos os possíveis clientes sabem utilizar as ferramentas. Ter uma facilidade de comunicação com o potencial comprador é o que pode facilitar ou não o uso das novas tecnologias.
“Realmente se compararmos a experiência do cliente em serviços digitais na agricultura como que vemos, por exemplo, em bancos e no varejo, ainda temos um longo caminho a percorrer para facilitarmos a vida e encantarmos o agricultor nessa jornada de ponta a ponta na experiência digital. Então, esse é um elemento que se mostrou bastante forte”, ressalta Ferreira.
Agricultores digitais
Fica a pergunta. Quem são esses agricultores digitais? Os dados indicam que, desses produtores que estão propensos a usar mais as ferramentas digitais como principal canal de compra e venda, a maioria tem menos de 45 anos e são donos de grandes propriedades rurais.
O pesquisador revela que isso se deve à necessidade que esse perfil de agricultor tem em pesquisar insumos, quanto em realizar suas próprias vendas. Além disso, esses produtores tendem a usar mais a tecnologia em negociações de compras de outros produtos e serviços tecnológicos, como sensoriamento remoto, telemetria e drones.
“Isso implica em segmentação e necessidade de pensarmos em propostas de valores muito ligadas ao perfil daquele agricultor que lá está tanto para compra quanto para venda. Então, aqueles agricultores que tendem a ser mais jovens, além de ter um apetite por transações on line, também usam muitas vezes três quatro tipos de diferentes tecnologias”, observa Nelson Ferreira.
Se a tecnologia é tão importante em todo o processo, o que leva o produtor, em muitos casos, a fazer uso dela? A pesquisa demonstrou que isso se deve a custos com investimento e infraestrutura que essa digitalização demanda. No Brasil, segundo dados do IBGE — Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, em 2020, existiam no país 5,07 milhões de estabelecimentos rurais. Destes, 71,8% não têm acesso à internet (3,64 milhões de propriedades). A falta de internet, aliada também à falta de torres de transmissão de dados para aparelhos celulares, é o principal desafio a ser superado.
“Nós ainda temos especialmente no campo da produção uma conectividade de rede de telecomunicações de celular ainda muito baixa, muito inferior, por exemplo, do que temos nos Estados Unidos, isso é um gargalo para adoção de tecnologias”, comenta Ferreira.
Ainda de acordo com Nelson, além desses problemas de infraestrutura no campo, os produtores também consideram as vantagens financeiras advindas do uso dessa tecnologia. “Eles dizem que estariam dispostos a experimentar novas tecnologias em troca de uma remuneração variável, ou seja, ligada ao desempenho que aquela tecnologia for proporcionar para aquele agricultor em específico. Isso abre talvez novas formas de comercialização e de interação com esse agricultor”, aponta Ferreira.
Barter ainda é muito usado mesmo em tempos digitais
Uma prática criada nos anos 90 que permanece viva mesmo em tempos de digitalização é a ‘operação barter’ que consiste em uma negociação onde o pagamento pelo insumo é efetuado através de troca de produtos da fazenda.
Por conta desse tipo de negociação, é bem comum o agricultor comprar insumos sem que haja a necessidade de tirar dinheiro do bolso. O fato levantou a curiosidade dos pesquisadores, pois, mesmo em 2021, onde bancos oferecem crédito para esse agricultor, com juros abaixo do mercado, o ‘barter’ continua sendo muito utilizado, não somente para a compra de insumos, mas em muitos outros processos.
“O barter virou uma ferramenta do dia a dia do agricultor brasileiro por suas vantagens econômicas e de conveniência. Muita gente faz barter para tudo. Um terço dos agricultores usa para apenas um produto; outro terço usa para dois produtos; e outro terço usa para três produtos, entre defensivos, fertilizantes e sementes. Os defensivos, obviamente, que introduziram essa modalidade, continuam sendo os principais, mas ele realmente virou a modalidade de crédito e financiamento de muitos agricultores”, fala Nelson Ferreira.
Ao mesmo tempo, em que continua o uso do barter, existem agricultores que buscam a utilização de outras sofisticações financeiras. Novamente os produtores mais jovens pesquisados tendem a utilizar mais dessas ferramentas do que os produtores seniores.
Estudo aponta oportunidades na sustentabilidade
A agricultura e a sustentabilidade caminham juntas no Brasil e entre as práticas agronômicas consideradas mais sustentáveis está o plantio direto, a importação de cultura e o de controle biológico.
Hoje, o plantio direto no Brasil está acima do que é praticado em outros países, como, por exemplo, nos Estados Unidos. O clima favorece a safra, safrinha ou rotação de cultura, que é feita por aqui.
“Essas são práticas que tendem a sequestrar carbono são práticas sustentáveis. Isso já é comum na agricultura brasileira. Existe, por outro lado, uma oportunidade para gente crescer que é a questão do reflorestamento e também da integração, lavoura, cultura e pecuária. 39% adotam ativamente a prática de reflorestamento e um dos principais gargalos que impedem que ela seja mais adotada são justamente questões ligadas ao arcabouço regulatório”, explica Ferreira.
A dificuldade em monetizar créditos de carbono ligados à floresta tem sido um entrave. Apesar dos avanços em relação à descarbonização dos combustíveis, colocado em prática através do RenovaBio, no caso da agricultura a falta de informação sobre assunto prejudica que mais produtores busquem essa modalidade de forma ativa.
“Muito embora seja um dos principais potenciais que temos no Brasil, muitos agricultores consideram não entender o tema. Então, existe um gargalo muito grande no entendimento do crédito de carbono. Se pensarmos em uma agenda regulatória e no papel que a agricultura brasileira tem na sustentabilidade de descarbonização, claramente temos que criar tópicos direcionados à agricultura brasileira daqui para frente”, finaliza Nelson Ferreira.
Nelson Ferreira sócio-sênior e líder de agronegócios da McKinsey na América latina