A palha da cana-de-açúcar deixada no campo após a colheita é a principal matéria-prima da GranBio na produção de etanol. Em setembro de 2014 a empresa foi a primeira a produzir no Brasil, em escala fabril, o etanol celulósico ou de segunda geração (2G) fabricado a partir de biomassa por um processo biotecnológico. A forma tradicional, de primeira geração, produz o combustível com base no caldo da cana. Com sede na capital paulista, a empresa de biotecnologia industrial foi fundada em 2011 e atua do começo ao fim da cadeia produtiva, procurando soluções científicas e tecnológicas em diversas frentes do sistema de produção agrícola e industrial.
A empresa já obteve conquistas tecnológicas importantes como uma levedura modificada geneticamente e uma variedade de cana voltada à produção de etanol 2G. A fábrica Bioflex 1 foi instalada em São Miguel dos Campos, Alagoas, ao lado da Usina Caeté, produtora de etanol de primeira geração. É dela e de três outras usinas da região que são obtidas as palhas da cana. O etanol celulósico é produzido de forma experimental em poucas usinas comerciais no mundo. São duas nos Estados Unidos, que usam como matéria-prima caules e folhas de milho; uma na Itália, com folhas de trigo; e em julho deste ano a Raízen, em Piracicaba, inaugurou uma usina que usa bagaço e palha de cana.
A estratégia inicial da GranBio foi trazer tecnologia do exterior para acelerar o processo produtivo. Foram escolhidos ingredientes como leveduras da DSM, da Holanda, e enzimas da dinamarquesa Novozymes. Ao mesmo tempo, a empresa montou a área de pesquisa e desenvolvimento (P&D), localizada em Campinas. “O que fazemos é converter ciência em tecnologia”, diz Gonçalo Amarante Guimarães Pereira, sócio e cientista-chefe da empresa. Aos 51 anos, é professor há 18 anos do Laboratório de Genômica e Expressão do Instituto de Biologia da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Do grupo de pesquisadores que lidera, a maioria foi recrutada na universidade. Atualmente são 18 pesquisadores e técnicos trabalhando diretamente com P&D: oito doutores, dois mestres e quatro doutorandos.
Levedura especial
A equipe foi responsável pelas duas conquistas tecnológicas anunciadas recentemente. A primeira é a elaboração de uma levedura capaz de processar a xilose, açúcar presente na hemicelulose, uma das três principais fibras das folhas e do colmo da cana, junto com a celulose e a lignina. “Na primeira geração, a cepa de levedura industrial [da espécie Saccharomyces cerevisiae] consome a sacarose e a frutose existente de forma solúvel no caldo da cana para produzir etanol; no bagaço, os açúcares das fibras das folhas, como xilose e pentose, não estão solúveis e a levedura não os reconhece”, explica Gonçalo. Para tornar a levedura apta a processar a xilose, a equipe da GranBio desenvolveu uma linhagem geneticamente modificada com um gene de outro microrganismo – que preferem não revelar – e alguns genes modificados da própria Saccharomyces.
O organismo já foi aprovado para uso comercial pela coordenação-geral da Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio) em abril e seu uso é objeto de uma patente depositada no Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI). “Vamos começar a usar a levedura geneticamente modificada em 2016 na linha de produção.” O aproveitamento da xilose, segundo Gonçalo, representa um ganho de cerca de R$ 50 milhões anuais para a empresa, que pretende processar 400 mil toneladas de biomassa por ano. “A glicose representa 40% desse material e a xilose, 25% [a pentose compõe cerca de 35%], o que significa cerca de 100 mil toneladas. Para a segunda geração ser rentável é preciso processar a xilose e outros açúcares encontrados na palha e no bagaço.”
O trabalho de engenharia genética realizado na levedura teve à frente o biólogo Leandro Vieira dos Santos, de 32 anos. “Fizemos um estudo para identificar quais seriam os genes e as combinações favoráveis para a Saccharomyces passar a consumir a xilose”, diz Leandro, que cursa o doutorado na Unicamp. Formado na Universidade Federal de Viçosa (UFV), onde fez mestrado em microbiologia, ele, depois de trabalhar dois anos na empresa de biotecnologia Agrogenética, resolveu fazer o doutorado com leveduras e procurou Gonçalo em 2011, quando o pesquisador montava a equipe da GranBio. Hoje, com a levedura pronta, Santos se dedica a aperfeiçoá-la.
A propagação e o escalonamento do microrganismo são tarefas do engenheiro em biotecnologia Luige Calderon. Peruano formado pela Universidade Católica de Santa Maria, em Arequipa, fez o mestrado na Unicamp e, em 2012, foi convidado a trabalhar na GranBio como pesquisador na área de bioprocesso. “Eu seleciono microrganismos utilizando engenharia genética e evolutiva, desenvolvendo, por exemplo, o meio de cultivo mais adequado”, explica. A genética de leveduras também levou Osmar de Carvalho Netto para a empresa. Formado em ciência dos alimentos pela Universidade de São Paulo (USP), ele fez o doutorado na Unicamp. Participou do sequenciamento do genoma da Saccharomyces na Unicamp e pensava em montar, junto com Leandro Vieira, uma empresa de leveduras industriais. “Íamos ser fornecedores da GranBio, mas nos convenceram a integrar o quadro da empresa”, conta. Tornou-se, no entanto, coordenador de processos em áreas como fermentação, hidrólise e pré-tratamento da biomassa. Também foi designado para fazer a ponte entre a pesquisa e a área corporativa. “Precisava ser alguém que entendesse a linguagem dos cientistas e passei a fazer isso em 50% do meu tempo. Nos outros 50% trabalho na coordenação dos processos”, diz. Ele trata, por exemplo, de organizar testes, entregas de material e contatos com a usina, tudo para que os pesquisadores se concentrem na pesquisa.
Volta ao princípio
Além da levedura, outra novidade da GranBio foi a cana-energia apresentada em agosto. É uma variedade nova, não transgênica, desenvolvida com cruzamentos tradicionais entre vários outros cultivares em colaboração com a Rede Universitária para o Desenvolvimento do Setor Sucroenergético (Ridesa) de Alagoas e o Instituto Agronômico de Campinas (IAC). “Voltamos ao início do melhoramento genético da cana. Em vez de aumentar o açúcar no caldo, aumentamos a quantidade de fibra na planta. Assim temos uma cana mais rústica. Ela é mais alta, tem longevidade de colheita, floresce menos e é mais resistente ao ataque de pragas, além de ser mais dura”, explica o agrônomo José Bressiani, diretor agrícola da empresa. Com graduação, mestrado e doutorado pela USP em melhoramento genético, ele adquiriu experiência na produção de cultivares de cana durante os 15 anos que trabalhou no Centro de Tecnologia Canavieira (CTC) e mais cinco anos na Canavialis, do grupo Monsanto. “Minha função é equacionar a função de biomassa para plantas de cana. Estamos criando uma planta que deverá ter custo de produção baixo”, afirma.
Os testes com a cana-energia, que tem o nome comercial de Cana Vertix, ocorrem nas regiões Sudeste, Nordeste e Centro-Oeste. A ideia é de que, no futuro, variedades específicas de cana-de-açúcar sejam usadas apenas na produção de etanol 2G e para gerar energia elétrica por meio da queima de resíduos. Inicialmente, da Cana Vertix será utilizada apenas a palha. Depois do corte por máquinas colheitadeiras, a palha fica no solo e seca após alguns dias, quando é recolhida e transportada para a usina 2G ou para estoque, onde pode ficar por vários meses.
Os avanços tecnológicos e o crescimento da GranBio ampliaram a importância do centro de P&D, que passou a ser uma subsidiária com o nome de BioCelere. A formação da empresa teve início a partir de uma conversa entre Gonçalo, Bernardo Gradin, presidente, e Alan Hiltner, vice-presidente executivo da GranBio, em março de 2010. Gradin estava saindo da presidência da Braskem e queria investir em biotecnologia e etanol 2G. “Fiz no verso da conta do restaurante em que estávamos um esboço do que poderia ser a futura GranBio no campo científico. Ele gostou e depois me convidou para ser um dos sócios”, conta Gonçalo. Os dois já se conheciam – serviram juntos ao Exército na Bahia e se reencontraram em 2007 quando Gonçalo coordenou um projeto do Programa Parceria para Inovação Tecnológica (Pite) da FAPESP, entre Unicamp e Braskem, sobre propeno (matéria-prima para produção de plásticos) renovável feito com cana-de-açúcar.
O investimento realizado pela GranBio já atingiu US$ 265 milhões para uma capacidade de produção de 82 bilhões de litros por ano. Até agosto a produção tinha atingido um total de 3 bilhões de litros de etanol. Só não foi maior porque alguns processos industriais precisam de aperfeiçoamentos. “Mas já encontramos as soluções e vamos implementá-las até o início de 2016”, prevê Gonçalo.
A palha da cana-de-açúcar deixada no campo após a colheita é a principal matéria-prima da GranBio na produção de etanol. Em setembro de 2014 a empresa foi a primeira a produzir no Brasil, em escala fabril, o etanol celulósico ou de segunda geração (2G) fabricado a partir de biomassa por um processo biotecnológico. A forma tradicional, de primeira geração, produz o combustível com base no caldo da cana. Com sede na capital paulista, a empresa de biotecnologia industrial foi fundada em 2011 e atua do começo ao fim da cadeia produtiva, procurando soluções científicas e tecnológicas em diversas frentes do sistema de produção agrícola e industrial.
A empresa já obteve conquistas tecnológicas importantes como uma levedura modificada geneticamente e uma variedade de cana voltada à produção de etanol 2G. A fábrica Bioflex 1 foi instalada em São Miguel dos Campos, Alagoas, ao lado da Usina Caeté, produtora de etanol de primeira geração. É dela e de três outras usinas da região que são obtidas as palhas da cana. O etanol celulósico é produzido de forma experimental em poucas usinas comerciais no mundo. São duas nos Estados Unidos, que usam como matéria-prima caules e folhas de milho; uma na Itália, com folhas de trigo; e em julho deste ano a Raízen, em Piracicaba, inaugurou uma usina que usa bagaço e palha de cana.
A estratégia inicial da GranBio foi trazer tecnologia do exterior para acelerar o processo produtivo. Foram escolhidos ingredientes como leveduras da DSM, da Holanda, e enzimas da dinamarquesa Novozymes. Ao mesmo tempo, a empresa montou a área de pesquisa e desenvolvimento (P&D), localizada em Campinas. “O que fazemos é converter ciência em tecnologia”, diz Gonçalo Amarante Guimarães Pereira, sócio e cientista-chefe da empresa. Aos 51 anos, é professor há 18 anos do Laboratório de Genômica e Expressão do Instituto de Biologia da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Do grupo de pesquisadores que lidera, a maioria foi recrutada na universidade. Atualmente são 18 pesquisadores e técnicos trabalhando diretamente com P&D: oito doutores, dois mestres e quatro doutorandos.
Levedura especial
A equipe foi responsável pelas duas conquistas tecnológicas anunciadas recentemente. A primeira é a elaboração de uma levedura capaz de processar a xilose, açúcar presente na hemicelulose, uma das três principais fibras das folhas e do colmo da cana, junto com a celulose e a lignina. “Na primeira geração, a cepa de levedura industrial [da espécie Saccharomyces cerevisiae] consome a sacarose e a frutose existente de forma solúvel no caldo da cana para produzir etanol; no bagaço, os açúcares das fibras das folhas, como xilose e pentose, não estão solúveis e a levedura não os reconhece”, explica Gonçalo. Para tornar a levedura apta a processar a xilose, a equipe da GranBio desenvolveu uma linhagem geneticamente modificada com um gene de outro microrganismo – que preferem não revelar – e alguns genes modificados da própria Saccharomyces.
O organismo já foi aprovado para uso comercial pela coordenação-geral da Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio) em abril e seu uso é objeto de uma patente depositada no Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI). “Vamos começar a usar a levedura geneticamente modificada em 2016 na linha de produção.” O aproveitamento da xilose, segundo Gonçalo, representa um ganho de cerca de R$ 50 milhões anuais para a empresa, que pretende processar 400 mil toneladas de biomassa por ano. “A glicose representa 40% desse material e a xilose, 25% [a pentose compõe cerca de 35%], o que significa cerca de 100 mil toneladas. Para a segunda geração ser rentável é preciso processar a xilose e outros açúcares encontrados na palha e no bagaço.”
O trabalho de engenharia genética realizado na levedura teve à frente o biólogo Leandro Vieira dos Santos, de 32 anos. “Fizemos um estudo para identificar quais seriam os genes e as combinações favoráveis para a Saccharomyces passar a consumir a xilose”, diz Leandro, que cursa o doutorado na Unicamp. Formado na Universidade Federal de Viçosa (UFV), onde fez mestrado em microbiologia, ele, depois de trabalhar dois anos na empresa de biotecnologia Agrogenética, resolveu fazer o doutorado com leveduras e procurou Gonçalo em 2011, quando o pesquisador montava a equipe da GranBio. Hoje, com a levedura pronta, Santos se dedica a aperfeiçoá-la.
A propagação e o escalonamento do microrganismo são tarefas do engenheiro em biotecnologia Luige Calderon. Peruano formado pela Universidade Católica de Santa Maria, em Arequipa, fez o mestrado na Unicamp e, em 2012, foi convidado a trabalhar na GranBio como pesquisador na área de bioprocesso. “Eu seleciono microrganismos utilizando engenharia genética e evolutiva, desenvolvendo, por exemplo, o meio de cultivo mais adequado”, explica. A genética de leveduras também levou Osmar de Carvalho Netto para a empresa. Formado em ciência dos alimentos pela Universidade de São Paulo (USP), ele fez o doutorado na Unicamp. Participou do sequenciamento do genoma da Saccharomyces na Unicamp e pensava em montar, junto com Leandro Vieira, uma empresa de leveduras industriais. “Íamos ser fornecedores da GranBio, mas nos convenceram a integrar o quadro da empresa”, conta. Tornou-se, no entanto, coordenador de processos em áreas como fermentação, hidrólise e pré-tratamento da biomassa. Também foi designado para fazer a ponte entre a pesquisa e a área corporativa. “Precisava ser alguém que entendesse a linguagem dos cientistas e passei a fazer isso em 50% do meu tempo. Nos outros 50% trabalho na coordenação dos processos”, diz. Ele trata, por exemplo, de organizar testes, entregas de material e contatos com a usina, tudo para que os pesquisadores se concentrem na pesquisa.
Volta ao princípio
Além da levedura, outra novidade da GranBio foi a cana-energia apresentada em agosto. É uma variedade nova, não transgênica, desenvolvida com cruzamentos tradicionais entre vários outros cultivares em colaboração com a Rede Universitária para o Desenvolvimento do Setor Sucroenergético (Ridesa) de Alagoas e o Instituto Agronômico de Campinas (IAC). “Voltamos ao início do melhoramento genético da cana. Em vez de aumentar o açúcar no caldo, aumentamos a quantidade de fibra na planta. Assim temos uma cana mais rústica. Ela é mais alta, tem longevidade de colheita, floresce menos e é mais resistente ao ataque de pragas, além de ser mais dura”, explica o agrônomo José Bressiani, diretor agrícola da empresa. Com graduação, mestrado e doutorado pela USP em melhoramento genético, ele adquiriu experiência na produção de cultivares de cana durante os 15 anos que trabalhou no Centro de Tecnologia Canavieira (CTC) e mais cinco anos na Canavialis, do grupo Monsanto. “Minha função é equacionar a função de biomassa para plantas de cana. Estamos criando uma planta que deverá ter custo de produção baixo”, afirma.
Os testes com a cana-energia, que tem o nome comercial de Cana Vertix, ocorrem nas regiões Sudeste, Nordeste e Centro-Oeste. A ideia é de que, no futuro, variedades específicas de cana-de-açúcar sejam usadas apenas na produção de etanol 2G e para gerar energia elétrica por meio da queima de resíduos. Inicialmente, da Cana Vertix será utilizada apenas a palha. Depois do corte por máquinas colheitadeiras, a palha fica no solo e seca após alguns dias, quando é recolhida e transportada para a usina 2G ou para estoque, onde pode ficar por vários meses.
Os avanços tecnológicos e o crescimento da GranBio ampliaram a importância do centro de P&D, que passou a ser uma subsidiária com o nome de BioCelere. A formação da empresa teve início a partir de uma conversa entre Gonçalo, Bernardo Gradin, presidente, e Alan Hiltner, vice-presidente executivo da GranBio, em março de 2010. Gradin estava saindo da presidência da Braskem e queria investir em biotecnologia e etanol 2G. “Fiz no verso da conta do restaurante em que estávamos um esboço do que poderia ser a futura GranBio no campo científico. Ele gostou e depois me convidou para ser um dos sócios”, conta Gonçalo. Os dois já se conheciam – serviram juntos ao Exército na Bahia e se reencontraram em 2007 quando Gonçalo coordenou um projeto do Programa Parceria para Inovação Tecnológica (Pite) da FAPESP, entre Unicamp e Braskem, sobre propeno (matéria-prima para produção de plásticos) renovável feito com cana-de-açúcar.
O investimento realizado pela GranBio já atingiu US$ 265 milhões para uma capacidade de produção de 82 bilhões de litros por ano. Até agosto a produção tinha atingido um total de 3 bilhões de litros de etanol. Só não foi maior porque alguns processos industriais precisam de aperfeiçoamentos. “Mas já encontramos as soluções e vamos implementá-las até o início de 2016”, prevê Gonçalo.