Entrevista com Luiz Ricardo de Souza Nascimento

13/09/2022 Noticias POR: FERNANDA CLARIANO


Em conversa com a reportagem da Revista Canavieiros, durante o Congresso da Aviação Agrícola que aconteceu recentemente em Sertãozinho, no interior do Estado de São Paulo, o diretor da ANAC (Agência Nacional de Aviação Civil), Luiz Ricardo de Souza Nascimento, falou sobre as regulamentações no setor de aviação, bem como a Lei do Voo Simples, da evolução do mercado de aviação agrícola e também sobre o uso de drones nas atividades agrícolas. Nascimento, que iniciou o seu mandato em dezembro de 2021, também destacou a atuação na ANAC, uma das agências reguladoras federais do país criada para regular e fiscalizar as atividades da aviação civil brasileira. Confira!

Revista Canavieiros: Nos últimos 10 anos foram feitas muitas alterações no setor aéreo, seja no comercial, no privado, na aviação executiva, na aviação em geral. Como foram essas alterações e o que isso trouxe para a aviação?

Luiz Ricardo de Souza Nascimento: Essas alterações sempre foram feitas baseadas nas melhores práticas internacionais, na padronização internacional. A ANAC, de alguns anos para cá, vem ficando ainda mais próxima de seus regulados. E o que isso trouxe para a aviação? Uma maior transparência, uma regulamentação mais clara sobre o ponto de vista do que é realmente uma determinação da ANAC. Uma obrigação para que não haja dúvidas ao operador e isso com certeza tira o que chamamos de fardo regulatório. Procuramos buscar essas práticas para tornar a aviação mais fácil, de melhor entendimento, porque o regulado, seja ele de qualquer setor, tem um contato direto com a ANAC para expor suas ideias, suas considerações e assim conseguir evoluir de forma sempre construtiva.

Revista Canavieiros: O que consiste em o Programa do Voo Simples? O senhor pode explicar?

Nascimento: Isso é um marco muito grande para a aviação no Brasil. Iniciou-se o projeto com uma medida provisória do presidente e depois foi promulgada a lei pelo Congresso Nacional e isso trouxe basicamente três vertentes para toda a aviação. Buscamos e conseguimos, no final, menos Estado - menos intervenção do Estado em alguns processos que consideramos que não eram necessários, menos burocracia, esse fardo burocrático de ida e vinda de documentos normalmente acarreta atrasos em projetos importantes e por fim menos custos para a aviação. Essa tríade de menos Estado, menos burocracia e menos custos vai sem dúvida facilitar e alavancar os projetos da aviação, principalmente da aviação geral no país.

Revista Canavieiros: O que a ANAC aprendeu com a pandemia? A pandemia ensinou algo para a ANAC?

Nascimento: Ensinou a todos nós, sem dúvida. Eu não estava no início da pandemia na Agência, mas realmente o grande aprendizado foi o de conversar e ouvir as empresas aéreas, operadores de aeroportos, empresas regionais e todo o setor. Mesmo com a pandemia, elas foram de fundamental importância para manter rotas necessárias para o suprimento de equipamentos médicos no Brasil todo, mesmo com a queda da demanda que foi de mais de 90% em certos momentos. Não deixamos de assistir nenhum estado, nenhuma capital brasileira ficou sem pelo menos uma linha aérea para levar material, vacinas, equipamentos necessários para a saúde pública e essa construção foi o que nos deixou o maior legado, que é sentar com todo o setor e dialogar, e isso foi conseguido dessa maneira. Eu acredito que esse sem dúvida foi o maior ensinamento da pandemia para todos nós, mas para a Agência foi fundamental.

Revista Canavieiros: O mercado de aviação agrícola é o segundo maior do mundo. Isso traz uma responsabilidade à ANAC em termos de regulação e ao setor para servir de exemplo ao mundo?

Nascimento: Sem dúvida ele traz uma responsabilidade, mas ao mesmo tempo traz uma competência advinda do setor como um todo para que a ANAC, o Brasil, seja protagonista na regulamentação ao mundo. Sentando com o regulado, podendo ter uma conversa e trabalhar na mudança que estamos propondo. Estamos num processo de mudança do RBAC 137 que é a nossa maior regulamentação para a aviação agrícola. Estamos numa fase de mudanças em alguns critérios e processos e isso foi construído em função dessa pujante aviação agrícola de grandes operadoras que temos no Brasil. Essa é a grande facilidade para a ANAC em termos de conhecimento técnico por ter a segunda frota agrícola do mundo. Isso traz para a gente condições de tomarmos decisões melhores quando em conjunto com os regulados.

Revista Canavieiros: Quais são os números que aviação agrícola representa no nosso país? Quantas são as aeronaves, os pilotos com carteira, as empresas prestadoras de serviços cadastradas na ANAC e as oficinas que fazem serviços para essa aviação?

Nascimento: Ao todo são 2.075 habilitações válidas de pilotos aeroagrícolas, 294 empresas aeroagrícolas certificadas e mais de 100 oficinas prestando serviços para a aviação agrícola.

Revista Canavieiros: Em 2017 a lei do aeronauta trouxe mudanças e possibilitou melhorias na aviação agrícola. Os pilotos da aviação agrícola trabalham em condições diferentes dos demais. Esses pilotos precisam ser mais reconhecidos?

Nascimento: A operação agrícola tem características muito próprias e requer que o piloto tenha conhecimentos e experiência específicos. Esse profissional necessita ter habilidade em conduzir diversas tarefas simultâneas para gerenciar o ambiente operacional e controlar aspectos técnicos da operação. O processo de construção de um piloto aeroagrícola inicia-se com sua adequada formação e é consolidado com a experiência adquirida a cada safra. Um profissional que agrupe essas qualidades é um importante investimento para o operador agrícola, garantindo não só o sucesso, mas principalmente a segurança de seu negócio.

Revista Canavieiros: A aviação agrícola vem evoluindo, entramos agora na era dos drones que vêm tomando um espaço no mercado. Como a ANAC vê essa tecnologia? Atualmente quantos drones estão cadastrados na Agência Nacional de Aviação Civil?

Nascimento: Dos mais de 97 mil drones atualmente cadastrados junto à ANAC, mais de 2,3 mil são usados em atividades agrícolas, o que demonstra que os drones já são uma realidade nesse mercado. As aeronaves não tripuladas são uma ferramenta com enorme potencial para aumentar a produtividade e sustentabilidade dos campos brasileiros e para incentivar esse uso de uma maneira segura e racional. A ANAC está trabalhando na simplificação dos critérios para drones classe dois (com peso entre 25 e 150 kg) de pulverização. O tema passou por consulta pública entre março e abril deste ano e resultará em uma atualização normativa que deverá ser publicada nas próximas semanas.

Revista Canavieiros: A Embraer e Raízen fecharam parceria para a produção de combustível de aviação sustentável (SAF, na sigla em inglês). A empresa irá se tornar a primeira fabricante de aeronaves a consumir o SAF que poderá ser distribuído pela Raízen (uma das maiores produtoras de etanol de cana-de-açúcar no mundo). Como o senhor vê esse momento?

Nascimento: O combustível sustentável é sem dúvida uma tecnologia que vamos utilizar na aviação, é um momento ainda de pesquisas, de desenvolvimentos, de busca do que for o melhor de custo-benefício para isso. Mas o combustível sustentável faz parte de um arcabouço de redução de emissão de gases poluentes no espaço que nós, como Brasil e especificamente na aviação, estamos discutindo na OACI (Organização Internacional da Aviação Civil), agência da ONU que regula toda a aviação no mundo, e esse assunto de bicombustível tem sido discutido em nível mundial e ele é considerado um fator importante nessas reduções de emissões. Porém, temos vários fatores e um deles é a evolução de motores - motores mais eficientes, mas a emissão sem dúvida vai ser reduzida em função da substituição de alguma quantidade de combustível fóssil por combustível sustentável. Então, é fundamental para que a gente consiga atingir esses objetivos a longo e médio prazo de redução de emissões. Eu vejo com muito bons olhos qualquer parceria de desenvolvimento que traga vantagem econômica para o Brasil e para o setor.