Entrevista com o ex-capitão do BOPE, produtor, roteirista e escritor Rodrigo Pimentel

25/01/2023 Noticias POR: MARINO GUERRA

Grandes missões não são dadas para quem não consegue se esforçar ao máximo. Essa é a principal mensagem da palestra ministrada pelo ex-capitão do BOPE (Batalhão de Operações Policiais Especiais do Rio de Janeiro) e hoje escritor, roteirista e produtor cinematográfico, Rodrigo Pimentel, que fez parte da programação do IX Encontro de Gerentes da Copercana, que aconteceu em novembro no Centro de Eventos “Manoel Carlos de Azevedo Ortolan” e contou com apoio da Bayer. E para formar essa definição, ele citou como exemplo diversas fases de sua vida profissional, desde a seletiva para ingressar em um dos melhores batalhões de elite da polícia brasileira, que inclui por exemplo subir um morro íngreme carregando uma cruz; casos de quando era capitão, como na execução que levou a prisão de um dos principais traficantes do Rio de Janeiro que se achava seguro no meio de uma favela, e os desafios para tirar o Tropa de Elite do papel e ganhar a audiência de milhões de pessoas. Assim, não espere palavras confortáveis na entrevista abaixo, mas por outro lado, com certeza inspiração para cumprir sua missão não vai faltar.

Revista Canavieiros: Para se transformar num profissional de elite é preciso abrir mão da vida pessoal? É possível ter um equilíbrio?

Rodrigo Pimentel: Em algum momento da sua vida você vai ter que inverter a pirâmide de Maslow (que hierarquiza as necessidades tendo as fisiológicas na base e atingir máximo potencial na ponta) e colocar a missão na frente, não necessariamente para sempre. Para que você realize o seu sonho, é fundamental colocar sim a sua família e o seu descanso em segundo plano. Eu não estou dizendo que a Copercana é mais importante, isso seria um absurdo, mas algumas missões, por um período de tempo, têm que colocar ela na frente e depois lembrar de devolver a ausência para a família e a própria vida. Quando produzi o Tropa de Elite fiquei dois anos sem tirar férias, meu filho estava em idade escolar e me cobrava para irmos viajar, e falava para ele que não teria como, pois ou viajava ou realizava o filme, então é assim que o cara de elite tem que pensar. Basta ver quantos produtores rurais, quantos comerciantes abriram mão de tudo para fazer o negócio acontecer.

Revista Canavieiros: Uma das maiores lições que os militares passam para a sociedade civil é quanto a disciplina e respeito à hierarquia. Hoje vivemos uma sociedade confusa, cada vez mais indisciplinada e avessa à hierarquia. Como retomar as rédeas antes que essa condição chegue ao caos?

Pimentel: Hierarquia e disciplina são os pilares básicos do militarismo, sem elas não existe o militar. Quando você vai na Academia Militar das Agulhas Negras, está escrito no pátio: “Cadete ide comandar, aprendei a obedecer”, o que significa que para comandar um dia, para ser um líder, é preciso antes aprender a cumprir ordens. Ao transferir isso para uma organização civil, seja numa empresa, família, clube, em qualquer local, é preciso ter em mente que você não chega a lugar nenhum sem receber ordem, respeitar um superior, não entender a dinâmica do grupo. Por outro lado, é verdade que em times de elite todos participam, dão sugestões, falam, apresentam suas ideias. No BOPE, apesar de ser militar, flexibilizamos muito a questão do soldado falar, tanto que criamos lá a liderança eventual, algo que pode ser reproduzido na rotina de uma empresa, cooperativa e operação rural. Funciona da seguinte maneira: Tem o líder que é o supervisor, o gerente, mas para situações específicas, às vezes um soldado sabe mais que um tenente, então nesse caso o soldado pode liderar o time. Agora imagina fazer isso na sua empresa. O dono de um varejo chega para um vendedor e propõe para ele desenhar uma campanha específica, dar sugestões, criar um plano e colocá-lo em ação, imagina o que isso será positivo para a autoestima dele, como será fortalecido o seu senso de dever. Isso representa que no final de tudo a liderança precisa ser muito mais pela atitude do que pela ordem, hierarquia ou disciplina, que são importantes, mas se precisarem serem usadas o tempo todo, é sinal que a liderança está falhando.

Revista Canavieiros: Para o policial que trabalha com operações especiais, as variáveis fazem parte da rotina policial, pois para cada ocorrência, embora seja planejada, sua condução vai se adequar conforme a situação encontrada, que ainda é temperada com uma boa quantidade de stress. A vida
no campo, em decorrência de diversos fatores que podem afetar o rendimento de uma lavoura ou criação, não é muito diferente. Quais conselhos você poderia dar para um produtor rural?

Pimentel: Times de elite possuem um plano simples, que permite você adequar ele o tempo todo, quando você faz um plano muito elaborado, ele se torna muito rígido. Lá no BOPE, por exemplo, num plano para entrar na favela da Rocinha pela rua dois, e ele prevê a operação para as seis da manhã, primeiro porque eu só posso entrar na casa de um bandido depois que o sol nasce, isso é o que diz a lei brasileira, e segundo, se eu postergo para as seis e quarenta, já tem criança na rua indo para a escola, o que aumenta o risco envolvido na operação. Eis que na hora estipulada, do nada, surge uma Kombi escolar, e se minha equipe avançar naquela rua, os bandidos vão atirar e o veículo será atingido. Rapidamente, a equipe sai da rua dois e vai para a três, e a operação não vai mudar por causa disso, porque tracei um plano simples, que permite a sua alteração ao ponto de mudar a rota e o objetivo final ser cumprido. Então, a dica que eu dou para o produtor rural é elaborar planos simples, não confie em planos muito elaborados porque eles têm um risco enorme de fracasso em função das variáveis.

Revista Canavieiros: Outro ponto que o agro é muito parecido com a polícia é quanto as críticas de partes, geralmente os mesmos, da sociedade civil. Quanto a obra Tropa de Elite e posteriormente seu trabalho como formador de opinião influenciou em mudar a percepção das pessoas de como a vida é de verdade?

Pimentel: Em primeiro lugar, tanto o Tropa de Elite, como qualquer outro filme de entretenimento, é feito para você ganhar dinheiro, então o primeiro motivo de eu e o Zé Padilha termos trabalhado na sua produção foi para faturar. Mas se além disso for possível promover debate e reflexão que gerem mudança de percepção, é o melhor dos cenários. Assim foi com o Tropa, que foi o primeiro filme do Brasil que fala bem dos policiais, que eles são os heróis. Só para lembrar, na história do cinema no Brasil temos o “Pixote”, “Cidade de Deus”, “Carandiru”, “Meu Nome Não é Johnny”, “Lúcio Flávio: Passageiro da Agonia”. Em todos esses, o bandido era o herói, mais recentemente temos também o Matsunaga, onde querem heroicizar a menina que picotou o marido, olha que loucura! Então, nesse sentido, o cinema sempre trabalha para o mal no Brasil, o mesmo acontece com o homem do campo, a mesma mágoa do policial é do homem do campo. Na história do audiovisual, o homem do campo é o vilão, só pegar Pantanal, Rei do Gado e tantas outras novelas, e até mesmo na literatura, como o caso do Menino do Engenho. Para mudar essa percepção do brasileiro não dá para ficar somente em rede social, nós não conseguimos competir com uma Anitta, com influenciadores que têm 70 milhões de seguidores, e até mesmo grandes estrelas internacionais, como o Leonardo DiCaprio, que condenam a atividade agropecuária no Brasil. Para competir com eles, a única opção é a comunicação de massa como realizar filmes. Eu tenho o projeto de uma obra já adiantado de uma história que vai contar como o Mato Grosso, através da migração dos agricultores do Rio Grande do Sul, se tornou a potência agrícola que é hoje, o que é um marco histórico econômico para o mundo, pois sem sua produção a fome mundial seria muito maior. Com isso quero passar a mensagem de que o brasileiro deve enxergar o seu produtor rural como o americano vê o dele, como heróis. Nada diferente disso.

Revista Canavieiros: Vivemos hoje um país polarizado, na sua opinião essa situação se dá pelo fato de uma parcela da sociedade ter escolhido não aceitar mais um sistema político enferrujado pela corrupção? Como você enxerga que essa história vai acabar? Como diz o jargão do Tropa da Elite “o sistema é tão foda” que vai se perpetuar?

Pimentel: Eu acho que o sistema sempre ganha, é lamentável falar isso. Eu não escondo que fui eleitor do Bolsonaro nas duas eleições, todos sabem disso, mas eu tenho a tranquilidade de falar que o Centrão, formado em grande parte por políticos que eram aliados do governo Lula, se aproximou dele. O sistema sempre será foda, ele se expande, ocupa espaços rapidamente, porém minha esperança é que essa polarização, que foi uma importante fonte de alimento para ele, acabe, e a direita, muito mais organizada, venha forte daqui três ano e meio, nas próximas eleições presidenciais para vencer e trabalhar para a redução do seu tamanho.