Diante das mudanças climáticas e das demandas crescentes por alimentos de qualidade, os produtores enfrentam desafios significativos
Com o início de um novo ano, os produtores rurais enfrentam a incerteza e a expectativa em relação às condições climáticas que moldarão suas atividades. Em 2024, a previsão meteorológica apresenta um panorama desafiador, marcado por tendências que demandam atenção e preparo por parte daqueles que dependem das condições naturais para suas produções.
A reportagem da Revista Canavieiros conversou com o agrometeorologista da Rural Clima, Marco Antonio dos Santos, para entender as principais características previstas para o clima nas diferentes regiões do país.
Marco Antonio dos Santos -agrometeorologista da Rural Clima
Segundo Santos, o mês de janeiro foi marcado por chuvas mais regulares e frequentes em áreas significativas das regiões produtoras do Sudeste, Centro-Oeste e Norte. No entanto, no Nordeste, a tendência é de chuvas abaixo da média, influenciadas pelo El Niño de forte intensidade ainda presente. No Sul, as chuvas serão regulares, mas com intervalos mais espaçados. As temperaturas permanecerão elevadas ao longo do mês.
Impacto de fenômenos climáticos sazonais - Os fenômenos climáticos sazonais, como as chuvas de verão e os sistemas de alta pressão, exercem influência direta nas correntes de vento, afetando sistemas de pressão e, consequentemente, o regime de chuvas e temperaturas. Santos destaca que o El Niño, por exemplo, pode resultar em chuvas concentradas no Sul do Brasil e abaixo da média no Nordeste influenciando diretamente na agricultura e nos padrões climáticos regionais.
Projeções de temperatura e mudanças climáticas globais - Santos ressalta que os modelos indicam temperaturas acima da média em todo o Brasil, devido à influência do El Niño. Além disso, ele alerta para as mudanças climáticas globais que têm provocado eventos extremos, como temperaturas mais elevadas e chuvas mais intensas, impactando significativamente na agricultura e no meio ambiente.
Eventos climáticos extremos e agricultura - Eventos como tempestades tropicais, ondas de calor e chuvas intensas são mais comuns durante o verão em todo o Brasil, especialmente no Centro-Sul. Santos destaca que, para a agricultura, a volta das chuvas representa uma melhora em relação ao segundo semestre de 2023. No entanto, chuvas mais intensas em fevereiro podem impactar a colheita e o plantio em algumas regiões, enquanto o Nordeste enfrenta o desafio de chuvas abaixo da média.
Condições climáticas desafiam os agricultores e afetam expectativas de safras
Em uma análise sobre a influência das condições climáticas na agricultura, o presidente dos conselhos da Copercana e do Grupo Toniello, Antonio Eduardo Tonielo, falou das complexidades enfrentadas pelos produtores diante das variações meteorológicas.
Na ocasião, ele destacou que as condições climáticas exercem impactos significativos em diversas culturas, com destaque para grãos como milho, soja, amendoim e cana-de-açúcar. Em suas observações, ele ressalta que a cana-de-açúcar, embora possua uma relativa resistência à chuva, não atingiu as expectativas de produtividade devido às chuvas esporádicas que caracterizam o atual cenário climático.
Antonio Eduardo Tonielo - presidente dos conselhos da Copercana e do Grupo Toniello
Para Tonielo, a presença do fenômeno El Niño é um fator determinante nessa disparidade climática, onde a abundância de chuvas em determinadas áreas contrasta com a escassez em outras, criando desafios adicionais para as culturas que dependem fortemente da água para o desenvolvimento.
Na previsão para as safras de soja e amendoim, Tonielo expressou preocupação com a falta de chuvas, antecipando uma quebra considerável nas produções, especialmente para o amendoim, que é altamente sensível à quantidade de água disponível. Ele ressaltou ainda que a chuva durante a colheita é outro obstáculo significativo para a cultura do amendoim.
O empresário destaca a impotência dos produtores diante das condições climáticas, enfatizando que o clima é um fator incontrolável. “O grande desafio enfrentado pelos produtores está em adaptar-se e lidar com as variáveis climáticas e as intempéries que afetam diretamente suas atividades, uma vez que a agricultura é uma indústria exposta a céu aberto”.
Orivaldo Donizete dos Santos - produtor rural e proprietário do Sítio São Sebastião
Orivaldo Donizete dos Santos, produtor rural e proprietário do Sítio São Sebastião, localizado em Descalvado, no interior de São Paulo, enfrenta um ano desafiador devido às condições climáticas adversas que afetaram suas lavouras de amendoim. Ele falou das dificuldades enfrentadas e as medidas adotadas para minimizar os impactos.
“Foi um ano que a gente não esperava, um ano muito difícil. Choveu em outubro e depois em novembro. Em outubro fizemos o plantio e em novembro ficou 21 dias sem chuvas na nossa área, e no mês de dezembro também tivemos uma chuva no início e outra só no final. Chegou janeiro com um estresse hídrico feio faltando chuva e, além disso, o que mais agravou foi a alta temperatura e o amendoim sentiu muito. Então vamos ter uma quebra respeitável, é difícil falar em número se será de 20 a 30%, mas sei que do que eu esperava vou produzir menos, vai ter uma queda na produção”, afirmou Orivaldo.
Os desafios enfrentados relacionam-se ao momento crítico em que o amendoim foi plantado, influenciando negativamente na formação da vargem e no enchimento de grãos. Orivaldo destacou que os amendoins plantados mais tarde, em novembro, estão sentindo menos os efeitos adversos das condições climáticas. “Dos fatores que afetam a produção, a falta de água é preocupante porque é algo que foge do nosso controle”, acrescentou Orivaldo ao falar sobre as medidas adotadas para enfrentar os desafios.
A falta de chuva e as altas temperaturas favoreceram a proliferação de tripes e verrugose, exigindo a intervenção de defensivos para controlar essas pragas. Orivaldo consultou o agrônomo da Copercana para implementar medidas eficazes diante das condições climáticas adversas e ressalta a importância do apoio dos agrônomos diante dessas situações difíceis: “A gente tem que conversar, procurar o apoio, consultar sim os agrônomos, ver o que os outros colegas vizinhos estão fazendo”.
2023 está sendo considerado histórico para Orivaldo, marcado por um novembro e dezembro com índices de chuva muito abaixo da média. Ele expressa sua preocupação com a qualidade inferior do amendoim devido à escassez de água, afirmando. “Espero que o clima volte a se normalizar e os amendoins mais novos possam produzir bem”.
Com uma área total de 250 hectares, Orivaldo planta 100 alqueires, e garante que aproximadamente 62 hectares estão comprometidos pela queda de produção, especialmente nas áreas onde o amendoim mais velho foi plantado em outubro, mas mantém o otimismo, aguardando condições climáticas mais favoráveis para o restante da safra.
A perspectiva dos especialistas em amendoim
A produção de amendoim na cidade de Sertãozinho, no interior de São Paulo, também enfrenta desafios significativos devido às condições climáticas adversas. Edgard Matrângolo Júnior, coordenador técnico da Unidade de Grãos 1 na região, expressou preocupação em relação à safra atual destacando a escassez de chuvas em diversas áreas produtoras como um fator crítico para a produção.
Edgard Matrângolo Júnior - coordenador técnico da Unidade de Grãos 1 de Sertãozinho
“O clima para a cultura de amendoim é um dos principais fatores da produção. Estamos enfrentando uma safra muito problemática em questão de clima com falta de chuva em praticamente todas as regiões produtoras e sentindo que se o clima não der uma normalizada na questão de chuvas, podemos ter uma queda de produção significativa”, alertou Matrângolo Júnior.
A falta de chuvas é um desafio especialmente preocupante, pois a cultura do amendoim demanda condições climáticas específicas para seu desenvolvimento. Com amendoim em diferentes estágios de crescimento, variando de 60 a 90 dias, a incerteza sobre as condições climáticas futuras gera apreensão entre os produtores.
“Não temos como mensurar o que vai acontecer, temos amendoim com praticamente 60 dias e até amendoim com 90 dias, então tem muita coisa para acontecer ainda”, explicou o coordenador. Ele ressaltou que este ano tem sido desafiador para diversas culturas na região, incluindo a soja, refletindo problemas climáticos que afetam todo o Brasil.
Matrângolo Júnior compartilhou a preocupação generalizada entre os produtores de amendoim, indicando que todas as regiões produtoras enfrentam dias de seca e falta de chuvas. No entanto, a incerteza sobre o impacto preciso na produção permanece tornando difícil a previsão de estimativas de colheita.
“No meu caso, tenho que passar para a diretoria, para a parte da indústria, uma estimativa de produção de quanto vamos receber de amendoim, mas do jeito que está indo fica uma incógnita, não tem como passar. A única coisa que posso dizer é que a situação em que eu havia passado no início pode mudar para menos, mas ainda não definimos nada”, concluiu o coordenador.
Ruan Ap. Biagi Betiol - Agrônomo da Unidade de Grãos 1 da Copercana
O agrônomo da Unidade de Grãos 1 da Copercana, em Sertãozinho, Ruan Ap. Biagi Betiol, por sua vez, expressou preocupação sobre o impacto das mudanças climáticas que têm desencadeado efeitos significativos na produção de amendoim.
Betiol destaca que as temperaturas mais elevadas e os períodos prolongados de estresse hídrico levam ao abortamento excessivo de flores, resultando no decréscimo no número de vagens por planta e, consequentemente, perda de produtividade. Além disso, ele alerta sobre o risco ampliado de aflatoxina nos grãos devido às altas temperaturas e à falta de umidade no solo.
Em relação às pragas e doenças, Betiol observa uma mudança significativa em comparação com a safra anterior. Enquanto a pinta preta foi uma preocupação predominante na safra passada, a atual temporada apresenta desafios com a alta incidência de tripes, lagartas do complexo Spodoptera e do pescoço vermelho. “A falta de umidade no solo reduz a eficiência dos produtos utilizados no controle das pragas, e as temperaturas elevadas aceleram o ciclo de vida desses organismos, aumentando a frequência de ciclos durante a permanência da cultura no campo”.
Diante desse cenário desafiador, o agrônomo ressalta a importância das boas práticas agronômicas e enfatiza o preparo adequado do solo, incluindo a calagem e a adubação balanceada, para garantir o estabelecimento eficiente da cultura e o desenvolvimento robusto do sistema radicular. “Um sistema radicular mais extenso permite uma exploração mais eficiente do solo, tornando as plantas mais resistentes às condições adversas, especialmente em anos com restrições de chuva”.
No que diz respeito ao controle de pragas, Betiol aconselha os produtores a seguir as recomendações do departamento técnico, utilizando produtos de alta eficácia, mesmo em um ano desafiador, e chama a atenção para a importância de aplicar os produtos na dose correta e no momento adequado para garantir resultados positivos. “Apesar dos desafios, resultados satisfatórios podem ser alcançados com a adoção cuidadosa de práticas e recomendações técnicas”.