Marcos Sawaya Jank - Professor de Agronegócio no Insper e coordenador do Centro Insper Agro Global
O conflito entre a Rússia e a Ucrânia vem ganhando elementos cada vez mais complexos. Considerando que a Rússia é um dos maiores produtores e exportadores dos macronutrientes, sendo o segundo maior produtor de potássicos e nitrogenados e o quarto maior de fosfatados.
No ínicio do mês de março, a reportagem da Revista Canavieiros conversou com o professor de Agronegócio no Insper e coordenador do Centro Insper Agro Global, Marcos Sawaya Jank, para compreender os impactos e os efeitos dessa guerra para o agronegócio brasileiro. Confira!
Revista Canavieiros: Quais os efeitos dessa guerra entre Rússia e Ucrânia para o agro brasileiro?
Marcos Sawaya Jank: Temos um impacto positivo em trigo, milho e um pouco na parte de óleos vegetais porque o Brasil é exportador de soja. A Ucrânia é exportadora de girassol, que é concorrente da soja. Ganhamos principalmente em grãos oleaginosos. Mas tem o lado negativo, que é o problema dos fertilizantes. Dependemos muito de fertilizantes importados - 85% do que o Brasil consome é importado e dos países que os fornecem, a R ússia é o p rincipal deles.
Revista Canavieiros: Como deve ficar essa situação? E como o senhor vê o Plano Nacional de Fertilizantes?
Jank: Os fertilizantes já vinham com uma alta de preço grande em função dos países que durante a pandemia resolveram deixar de exportar para atender o mercado interno. Tivemos problemas de suprimentos em vários lugares e no que já estava muito confuso chega a guerra e coloca uma dificuldade maior. No caso do Brasil, o primeiro fornecedor é a Rússia e o quinto é a Bielorrússia, então afeta bastante. Eu diria que afeta cerca de 25% da nossa importação. A grande preocupação atualmente é diversificar, é comprar de outros países. O maior problema do Brasil é o déficit em potássio, temos que encontrar outros países fornecedores e esse Plano Nacional de Fertilizantes que desengavetaram não vai resolver o problema agora, é algo para 20, 30 anos à frente. Ninguém consegue começar a produzir do d ia para noite, são necessários grandes investimentos e isso não é uma solução imediata. A solução que existe hoje é buscar outros fornecedores porque o nosso risco é basicamente de desabastecimento, pois os preços subiram e n ão vão cair.
Revista Canavieiros: O senhor acredita que pode haver escassez de alimentos?
Jank: Acho que escassez de alimentos não. Agora um problema é o de logística. Você tem portos que sofreram embargos e boa parte dos fertilizantes da Rússia sai pelo Mar Negro, que hoje é a zona de guerra, então isso pode atrasar a logística e, se atrasa e começam as chuvas, o agricultor tem que usar menos fertilizantes, esse é o problema. Se usar menos fertilizante a produtividade tende a cair. Agora não dá para dizer o quanto isso vai ou não acontecer neste momento.
Revista Canavieiros: Esses problemas citados podem interferir no plantio do segundo semestre?
Jank: Podem interferir porque o plantio do segundo semestre é o principal momento do país. A cana-de-açúcar é colhida agora e já recebe alguns fertilizantes depois de ser colhida, mas a soja, o milho (as culturas anuais) acontecem nas chuvas de setembro/outubro. Então não tem jeito, a insegurança atual é essa já que as empresas dizem que têm estoques para três meses de fertilizantes e, normalmente, o setor trabalha muito estressado.
Revista Canavieiros: Qual a estratégia que o produtor poderia adotar? Tentar se planejar melhor, buscar alternativas?
Jank: Eu acho que não tem muito o que se fazer, mas acredito que a gestão de risco é fundamental, principalmente de comercialização. Fazer o hedge correto porque tem flutuação de câmbio, de preços de fertilizantes. Estamos num momento de preços altos de produtos, mas também de aumento de custos muito grande. Tivemos não só o problema de aumento do custo de fertilizantes, mas também problemas internos na parte de defensivos, pesticidas, máquinas e equipamentos. Hoje, por exemplo, se você quiser comprar um trator, deve saber que não estão conseguindo entregar os produtos por falta de peças. E piorou muito depois da exportação recorde do ano passado, que foi o melhor ano de exportação da história do agro do Brasil - de 100 bilhões de dólares para 120 bilhões de dólares. A questão do custo de produção impressionou e a guerra gera volatilidade em vários preços, particularmente naqueles que são mais afetados por ela. O p rodutor o bviamente t em q ue a dministrar a produção e entender dos riscos que não são pequenos, pois estamos numa fase de eventos extremos. Tivemos seca, geada, portanto, instabilidades climáticas, mas também é preciso gerir muito bem a comercialização. Quando falo em comercialização é tanto a compra de insumos, máquinas e equipamentos, como a venda de seu produto, no caso cana-de-açúcar e e tanol.
Revista Canaveiros: Os brasileiros têm sentido muito a alta nos preços e os combustíveis estão entre esses produtos. Como o senhor vê essa questão?
Jank: Esse é um problema muito grande, talvez essa seja a primeira questão sistêmica, que vem com a guerra. A guerra gera incerteza na área de energia e o preço do petróleo e do gás natural afeta quase todas as cadeias produtivas porque mexe com o custo de transporte, de energia. O petróleo e o gás natural que estão em alta histórica são commodities que afetam todas. O mundo não vai aguentar, por exemplo, uma situação de petróleo a 150, 180, 200 dólares, como chegou a se falar. É um cenário que é muito complicado, o aumento forte do preço do petróleo pressiona todos os demais.
Revista Canavieiros: O senhor acredita que isso tudo refletirá na inflação?
Jank: Eu acho que sim. Esses aumentos de preços já são sinais de problemas inflacionários que poderão vir mais à frente. Vamos ter essa pressão inflacionária e não é só no Brasil, é no mundo inteiro. Agora, isso gera aqui no nosso país certa comoção de pessoas que começam a falar que precisam controlar a exportação, que necessitam disso ou daquilo e essa não é a solução. A solução não é proibir a exportação porque está tendo inflação, e sim produzir mais, aumentar a produção.
Revista Canavieiros: Esse cenário todo inspira cuidados?
Jank: É uma situação bem delicada que não estávamos preparados. Essa crise se soma a crises que já vinham acontecendo, o que é muito ruim, pois estávamos saindo de uma pandemia e caímos numa guerra. Fora isso, a própria situação global não estava muito fácil porque estamos vendo processos de polarização muito grandes no mundo. A União Europeia teve dificuldades de se manter como bloco, a situação de Estados Unidos e China bastante conflitiva. Há dois, três anos, tivemos um problema quando o Trump impôs um acordo de comércio administrado. Eles queriam basicamente que o ex-presidente americano falasse que reduziria o déficit comercial com a China. Então, a China tinha que ampliar a importação dos Estados Unidos em volumes extremamente altos e vindos da agricultura. Isso é uma quebra das regras multilaterais porque elas estabelecem guia de comércio. Se for feita uma redução para um país, tem que fazer para todos os demais e, de repende, os Estados Unidos acordam que vão ter volumes bilaterais de comércio e dane-se o resto. Já vínhamos numa situação de guerra comercial, de pandemia, de enfraquecimento das instituições multilaterais, dentre elas a OMC (Organização Mundial de Comércio) e outras e agora tivemos a guerra. Eu acho que não é que ‘inspira cuidados’, o mundo já vinha trabalhando perigosamente e agora vai ficar ainda mais.