Um único exemplar de cana-de-açúcar é lar de 23.811 tipos de bactérias e 11.727 grupos diferentes de fungos. O achado é de pesquisadores do Instituto de Biologia (IB) da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), que realizaram o mapeamento completo e inédito das comunidades de microrganismos que habitam todos os tecidos da cana, da raiz às folhas.
A pesquisa, realizada no Laboratório Central de Tecnologias de Alto Desempenho em Ciências da Vida (LaCTAD), que conta com o apoio da FAPESP na modalidade Equipamentos Multiusuários (EMU), teve dois artigos publicados na revista Scientific Reports, do grupo Nature; o primeiro no dia 30 de junho, relatando o mapeamento completo do microbioma, o conjunto de microrganismos que vivem nos diferentes órgãos da planta; o segundo, publicado na terça-feira (12/07), apresenta um novo método para o isolamento e o cultivo de coleções dessas populações para o estudo das funções que elas desempenham para a planta.
Isso porque a micro-biota dos vegetais, como a dos animais, medeia interações importantes entre o organismo e o seu meio, entre as quais, nas plantas, está a conversão do nitrogênio atmosférico em compostos nitrogenados, utilizados na síntese de proteínas. Mas, de acordo com os pesquisadores, sem o mapeamento completo do microbioma não seria possível conhecer mais a fundo essa relação, cuja compreensão pode fazer avançar a biotecnologia voltada para a produção agrícola sustentável.
“Existe uma comunidade de microrganismos habitando todos os organismos superiores que é fundamental para o favorecimento do sistema imune nos animais, no homem e nas plantas, atuando inclusive na defesa contra patógenos. No entanto, é de conhecimento da comunidade científica pouco mais do que meia dúzia de funções desempenhadas pelas bactérias e fungos dos vegetais, e estudos que avaliam a diversidade, a estrutura e o impacto dessa microbiota em culturas de importância econômica ainda são raros. Esses dois papers trazem uma nova visão do microbioma da cana e de como acessá-lo para desenvolver tecnologias baseadas na associação entre plantas e microrganismos”, disse Paulo Arruda, professor do Departamento de Genética e Evolução do IB-Unicamp.
Os pesquisadores realizaram um inventário completo da estrutura e da composição das comunidades bacterianas e fúngicas associadas à cana. As mais de 35 mil espécies de bactérias e fungos mapeadas habitam o interior e a superfície de raízes, brotos e folhas.
“Esses milhares de tipos de microrganismos não devem estar contribuindo apenas para a meia dúzia de funções da microbiota da planta que são conhecidas atualmente. Trata-se de uma caixa-preta da biologia a ser desbravada”, disse Arruda, que também coordena o Centro de Biologia Química de Proteínas (SGC-Unicamp), apoiado pela FAPESP por meio do Programa Parceria para Inovação Tecnológica (PITE).
Mapa dos microrganismos
A identificação massiva das espécies de microrganismos que habitam a cana foi possível graças ao uso de um sequenciador de segunda geração, cuja tecnologia permite sequenciar marcadores de DNA microbiômico presentes em amostras de raiz, brotos e folhas sem a necessidade de se isolar e cultivar cada espécie de bactéria e fungo em laboratório, como era feito até então.
“Até pouco tempo atrás, por conta das limitações tecnológicas, a pesquisa ficava refém do cultivo de bactérias em laboratório, o que é um trabalho moroso e que resulta numa quantidade muito pequena de amostras, especialmente porque muitas espécies não crescem em meios de cultura. Dessa forma, conhecia-se apenas superficialmente a real diversidade das comunidades de microrganismos que habitam cada tecido da planta”, disse Rafael Soares Correa de Souza, do Centro de Biologia Molecular e Engenharia Genética (CBMEG) da Unicamp.
Além disso, ainda de acordo com o pesquisador, “a maioria dos trabalhos na área estava focada em analisar o microbioma apenas da raiz, determinando quais são as bactérias e demais microrganismos que se associam a ela e que estariam relacionados à apreensão de nutrientes e outros processos”.
O trabalho desenvolvido com o sequenciamento de segunda geração mapeou o micro-bioma da cana contemplando comunidades que vivem fora e dentro da raiz, do caule e nas folhas em diferentes estágios de desenvolvimento. Os pesquisadores agora dispõem de um “mapa” completo para saber quais são as bactérias e fungos mais abundantes, suas funções e possíveis aplicações biotecnológicas, acessando toda uma diversidade que não podia ser desbravada até então.
Para isso, foi desenvolvido um protocolo próprio de preparo do sequenciamento. Os pesquisadores coletaram amostras da raiz, do caule e das folhas separadamente e lavaram cada uma com uma solução especial. A água residual foi submetida a centrifugação de baixa velocidade para que resíduos do solo e do ambiente fossem separados, isolando-se os microrganismos. Em seguida, uma nova centrifugação foi feita, dessa vez, em alta velocidade, para precipitar as células contendo o material genético que seria sequenciado. O mesmo processo foi feito para os microrganismos que habitam o interior da planta, sendo que, para expô-los, os tecidos foram triturados no liquidificador.
Além do mapa, os pesquisadores dispõem de coleções de amostras representativas dos microrganismos que vivem no micro-bioma da planta.
“Essas coleções estão armazenadas de forma a serem facilmente acessadas, o que possibilitará a seleção de microrganismos para compor inóculos que representam diferentes comunidades e que podem ser estudados para que se saiba quais efeitos benéficos eles trazem às plantas. Temos, agora, um mapa e o recurso biológico necessário para o avanço da pesquisa”, disse Jaderson Silveira Leite Armanhi, também do CBMEG.
Além da FAPESP, a pesquisa foi financiada pela companhia energética de origem espanhola Repsol e pela Repsol Sinopec Brasil. Os trabalhos também contaram com a participação de pesquisadores do Centro de Biotecnología y Genómica de Plantas da Universidad Politécnica de Madrid (UPM), na Espanha.
Os resultados do mapeamento são apresentados no artigo Unlocking the bacterial and fungal communities assemblages of sugarcane microbiome, de Rafael Soares Correa de Souza, Vagner Katsumi Okura, Jaderson Silveira Leite Armanhi, Beatriz Jorrín, Núria Lozano, Márcio José da Silva, Manuel González-Guerrero, Laura Migliorini de Araújo, Natália Cristina Verza, Homayoun Chaichian Bagheri, Juan Imperial e Paulo Arruda, disponível para acesso em www.nature.com/articles/srep28774.
Já o artigo Multiplex amplicon sequencing for microbe identification in community-based culture collections, de Jaderson Silveira Leite Armanhi, Rafael Soares Correa de Souza, Laura Migliorini de Araújo, Vagner Katsumi Okura, Piotr Mieczkowski, Juan Imperial e Paulo Arruda, divulgado hoje, pode ser acessado em www.nature.com/articles/srep29543.
Um único exemplar de cana-de-açúcar é lar de 23.811 tipos de bactérias e 11.727 grupos diferentes de fungos. O achado é de pesquisadores do Instituto de Biologia (IB) da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), que realizaram o mapeamento completo e inédito das comunidades de microrganismos que habitam todos os tecidos da cana, da raiz às folhas.
A pesquisa, realizada no Laboratório Central de Tecnologias de Alto Desempenho em Ciências da Vida (LaCTAD), que conta com o apoio da FAPESP na modalidade Equipamentos Multiusuários (EMU), teve dois artigos publicados na revista Scientific Reports, do grupo Nature; o primeiro no dia 30 de junho, relatando o mapeamento completo do microbioma, o conjunto de microrganismos que vivem nos diferentes órgãos da planta; o segundo, publicado na terça-feira (12/07), apresenta um novo método para o isolamento e o cultivo de coleções dessas populações para o estudo das funções que elas desempenham para a planta.
Isso porque a micro-biota dos vegetais, como a dos animais, medeia interações importantes entre o organismo e o seu meio, entre as quais, nas plantas, está a conversão do nitrogênio atmosférico em compostos nitrogenados, utilizados na síntese de proteínas. Mas, de acordo com os pesquisadores, sem o mapeamento completo do microbioma não seria possível conhecer mais a fundo essa relação, cuja compreensão pode fazer avançar a biotecnologia voltada para a produção agrícola sustentável.
“Existe uma comunidade de microrganismos habitando todos os organismos superiores que é fundamental para o favorecimento do sistema imune nos animais, no homem e nas plantas, atuando inclusive na defesa contra patógenos. No entanto, é de conhecimento da comunidade científica pouco mais do que meia dúzia de funções desempenhadas pelas bactérias e fungos dos vegetais, e estudos que avaliam a diversidade, a estrutura e o impacto dessa microbiota em culturas de importância econômica ainda são raros. Esses dois papers trazem uma nova visão do microbioma da cana e de como acessá-lo para desenvolver tecnologias baseadas na associação entre plantas e microrganismos”, disse Paulo Arruda, professor do Departamento de Genética e Evolução do IB-Unicamp.
Os pesquisadores realizaram um inventário completo da estrutura e da composição das comunidades bacterianas e fúngicas associadas à cana. As mais de 35 mil espécies de bactérias e fungos mapeadas habitam o interior e a superfície de raízes, brotos e folhas.
“Esses milhares de tipos de microrganismos não devem estar contribuindo apenas para a meia dúzia de funções da microbiota da planta que são conhecidas atualmente. Trata-se de uma caixa-preta da biologia a ser desbravada”, disse Arruda, que também coordena o Centro de Biologia Química de Proteínas (SGC-Unicamp), apoiado pela FAPESP por meio do Programa Parceria para Inovação Tecnológica (PITE).
Mapa dos microrganismos
A identificação massiva das espécies de microrganismos que habitam a cana foi possível graças ao uso de um sequenciador de segunda geração, cuja tecnologia permite sequenciar marcadores de DNA microbiômico presentes em amostras de raiz, brotos e folhas sem a necessidade de se isolar e cultivar cada espécie de bactéria e fungo em laboratório, como era feito até então.
“Até pouco tempo atrás, por conta das limitações tecnológicas, a pesquisa ficava refém do cultivo de bactérias em laboratório, o que é um trabalho moroso e que resulta numa quantidade muito pequena de amostras, especialmente porque muitas espécies não crescem em meios de cultura. Dessa forma, conhecia-se apenas superficialmente a real diversidade das comunidades de microrganismos que habitam cada tecido da planta”, disse Rafael Soares Correa de Souza, do Centro de Biologia Molecular e Engenharia Genética (CBMEG) da Unicamp.
Além disso, ainda de acordo com o pesquisador, “a maioria dos trabalhos na área estava focada em analisar o microbioma apenas da raiz, determinando quais são as bactérias e demais microrganismos que se associam a ela e que estariam relacionados à apreensão de nutrientes e outros processos”.
O trabalho desenvolvido com o sequenciamento de segunda geração mapeou o micro-bioma da cana contemplando comunidades que vivem fora e dentro da raiz, do caule e nas folhas em diferentes estágios de desenvolvimento. Os pesquisadores agora dispõem de um “mapa” completo para saber quais são as bactérias e fungos mais abundantes, suas funções e possíveis aplicações biotecnológicas, acessando toda uma diversidade que não podia ser desbravada até então.
Para isso, foi desenvolvido um protocolo próprio de preparo do sequenciamento. Os pesquisadores coletaram amostras da raiz, do caule e das folhas separadamente e lavaram cada uma com uma solução especial. A água residual foi submetida a centrifugação de baixa velocidade para que resíduos do solo e do ambiente fossem separados, isolando-se os microrganismos. Em seguida, uma nova centrifugação foi feita, dessa vez, em alta velocidade, para precipitar as células contendo o material genético que seria sequenciado. O mesmo processo foi feito para os microrganismos que habitam o interior da planta, sendo que, para expô-los, os tecidos foram triturados no liquidificador.
Além do mapa, os pesquisadores dispõem de coleções de amostras representativas dos microrganismos que vivem no micro-bioma da planta.
“Essas coleções estão armazenadas de forma a serem facilmente acessadas, o que possibilitará a seleção de microrganismos para compor inóculos que representam diferentes comunidades e que podem ser estudados para que se saiba quais efeitos benéficos eles trazem às plantas. Temos, agora, um mapa e o recurso biológico necessário para o avanço da pesquisa”, disse Jaderson Silveira Leite Armanhi, também do CBMEG.
Além da FAPESP, a pesquisa foi financiada pela companhia energética de origem espanhola Repsol e pela Repsol Sinopec Brasil. Os trabalhos também contaram com a participação de pesquisadores do Centro de Biotecnología y Genómica de Plantas da Universidad Politécnica de Madrid (UPM), na Espanha.
Os resultados do mapeamento são apresentados no artigo Unlocking the bacterial and fungal communities assemblages of sugarcane microbiome, de Rafael Soares Correa de Souza, Vagner Katsumi Okura, Jaderson Silveira Leite Armanhi, Beatriz Jorrín, Núria Lozano, Márcio José da Silva, Manuel González-Guerrero, Laura Migliorini de Araújo, Natália Cristina Verza, Homayoun Chaichian Bagheri, Juan Imperial e Paulo Arruda, disponível para acesso em www.nature.com/articles/srep28774.
Já o artigo Multiplex amplicon sequencing for microbe identification in community-based culture collections, de Jaderson Silveira Leite Armanhi, Rafael Soares Correa de Souza, Laura Migliorini de Araújo, Vagner Katsumi Okura, Piotr Mieczkowski, Juan Imperial e Paulo Arruda, divulgado hoje, pode ser acessado em www.nature.com/articles/srep29543.