Braço importante da SAA (Secretaria de Agricultura e Abastecimento do Estado de São Paulo), o IB (Instituto Biológico) desenvolve e transfere conhecimento científico e tecnológico para o agronegócio, nas áreas de sanidade animal e vegetal, visando à melhoria da qualidade de vida da população.
Recentemente o IB completou 96 anos e a reportagem da Revista Canavieiros conversou com a diretora-geral do instituto, Ana Eugênia de Carvalho Campos, ela que é pesquisadora científica do Instituto Biológico desde 1997, tem graduação em Ciências Biológicas pela Universidade Federal de Uberlândia e mestrado e doutorado em Zoologia pela UNESP de Rio Claro, SP.
Ana atua na área de Entomologia, especialmente nos estudos com formigas e está na direção-geral do Instituto Biológico desde janeiro de 2019. Na oportunidade ela fez um resgate das contribuições da instituição ao longo de quase um século para o desenvolvimento do setor, projetando os desafios futuros. Confira!
Revista Canavieiros: Quais foram os principais marcos e realizações do Instituto Biológico ao longo dos seus 96 anos de história?
Ana Eugênia de Carvalho Campos: O IB possui trajetória ímpar na pesquisa, desenvolvimento e solução de problemas relacionados com a sanidade animal, sanidade vegetal, proteção ambiental e pragas urbanas. Na década de 1920, Arthur Neiva coordenou a Comissão de Estudo e Debelação da Praga Cafeeira - Hypotenemus hampei, denominada broca-do-café, que destruiu 1,5 milhão de cafeeiros. Com o sucesso da Comissão, criou-se o Instituto Biológico. Sua missão passou então a ser a de trabalhar com a sanidade, não somente das plantas, mas também dos animais. Mais tarde, incorporou-se os estudos dos contaminantes nos alimentos, solo água e abelhas.
O controle biológico da broca-do-café foi utilizado com sucesso, por meio da introdução no país da vespa-de-uganda, Prosops nasuta. Nesta mesma década (1920) foi fabricada vacina contra o paratifo dos leitões e a vacina cristal violeta contra a peste suína. O controle de saúvas já era alvo dos estudos, uma vez que se tratava da praga número 1 da agricultura brasileira à época. Houve a produção de tuberculina bruta para o diagnóstico do gado leiteiro e o IB coordenou as campanhas contra a tuberculose e brucelose bovina. Hoje, por exemplo, temos a única fábrica brasileira que produz antígenos para detecção dessas doenças nos animais. Em 2023 produzimos 7,6 milhões de doses de antígenos, utilizados em todos os estados do país.
Com o passar dos anos, os pesquisadores do IB cada vez mais levavam soluções para o produtor. Na década de 1930, descobriu-se que o agente causador da Leprose era um vírus, publicou-se o livro Doenças das Aves (Tratado de Ornitologia), o vírus da raiva foi isolado, identificado e foi criada a vacina para a doença, além de fabricar vacina para a encefalite equina. Na década de 1940, o IB fabricava vacina contra a peste suína, febre aftosa. Descobriu-se a bradicinina, um peptídeo encontrado no corpo que ajuda a aumentar ou abrir os vasos sanguíneos, o que reduz a pressão arterial, permitindo que o sangue flua com mais suavidade por todo o corpo. Tal informação é fundamental para o tratamento da hipertensão em humanos.
Outras inúmeras descobertas e soluções foram surgindo com o passar dos anos: controle biológico com fungos entomopatogênicos, impacto do uso de defensivos químicos na água, alimento, solo e humanos, produção de vacinas contra a doença de New Castle, identificação da bactéria Xylella fastidiosa em citros, escritório da ONU instalado no IB, protocolo para identificação de intoxicação por organoclorados em seres humanos, identificação da doença que causa "arroz gigante" ou "bakanae", entre inúmeras outras descobertas dos agentes que causam doenças nos animais e plantas.
Revista Canavieiros: Como a pesquisa e as atividades do instituto evoluíram ao longo do tempo para atender às necessidades em constante mudança da sociedade?
Ana Eugênia: O IB é dinâmico e acompanha as demandas agropecuárias e, consequentemente, da população como um todo. Suas atividades estão alinhadas com a abordagem da Saúde Única, da Organização Mundial da Saúde, (OMS), Organização Mundial da Saúde Animal (OMSA) e da Organização para a Agricultura e Alimentação (FAO). Nossas pesquisas levam em conta os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da Organização das Nações Unidas (ONU). Diante da capacidade de produção agropecuária do país, o IB, por ter corpo técnico com amplo conhecimento sobre as diferentes pragas e doenças, além em análises de contaminantes, é atualmente a instituição brasileira com maior escopo no Inmetro (mais de 700), dentro da Norma ISO/IEC/17.025 e com credenciamento no Ministério de Agricultura e Abastecimento (MAPA) para realizar as análises para importação, exportação e consumo interno. São cerca de 680 análises realizadas por dia, apoiando todo o país. Investimos em equipamentos modernos para garantir a qualidade das análises, além de treinamento e equipamentos em genômica.
Revista Canavieiros: Quais são as áreas de pesquisa e atuação mais significativas do Instituto Biológico atualmente?
Ana Eugênia: Controle Biológico, Inovação em Sanidade Animal e Genômica aplicada.
Controle Biológico - possuímos coleções de microrganismos que produzem resposta eficaz para o controle de pragas, doenças, e promovem o crescimento das plantas, controle de ectoparasitos, como o carrapato estrela. Avanços no conhecimento sobre tais microrganismos possibilitam o licenciamento dos isolados para empresas que produzem bioinsumos, além do desenvolvimento conjunto com a iniciativa privada, uma vez que o estado de São Paulo hoje promove segurança jurídica para que a parceria público-privada seja plenamente realizada. Dois isolados do IB, sendo eles Beauveria bassiana e Metarhizium anisopliae, são atualmente largamente utilizados nas culturas da cana-de-açúcar, pastagem, café, soja, feijão, hortaliças, morango, flores, milho e algodão.
Inovação em Sanidade Animal - O IB possui laboratório apto a receber startups e empresas interessadas em realizar parceria público-privada e/ou com outras instituições públicas, no desenvolvimento de novas vacinas e outros insumos na área animal. A estrutura abriga dois laboratórios de biossegurança NB3.
Genômica Aplicada - O IB possui uma Unidade Laboratorial de Genômica e Bioinformática (ULGB), que viabiliza o sequenciamento de nova geração por meio de laboratórios prestadores deste serviço e as análises de bioinformática necessárias para a interpretação dos dados para o atendimento das pesquisas conduzidas no IB e prestação de serviços.
Tal unidade trabalha em consonância com as áreas prioritárias e estratégicas de atuação do IB, quais sejam: controle biológico de pragas e doenças; diagnóstico de doenças e identificação de pragas e parasitos de plantas e animais; monitoramento do impacto ambiental decorrente da atividade agropecuária e produção de insumos e prestação de serviços ao setor agropecuário. O aprofundamento do conhecimento em nível molecular dos seres vivos, que são objeto de estudo das pesquisas do IB, permite avanços significativos em eficácia, precisão, confiabilidade, reprodutibilidade e produtividade das tecnologias e serviços desenvolvidos e disponibilizados pelo instituto.
Revista Canavieiros: Como o instituto tem contribuído para o avanço da ciência e da tecnologia na área biológica e agrícola?
Ana Eugênia: Na prospecção e desenvolvimento de novos insumos para o controle biológico, para a sanidade animal e garantindo o alimento seguro para toda a população.
Revista Canavieiros: Quais são os principais desafios que o Instituto Biológico enfrentou ao longo de sua história e como eles foram superados?
Ana Eugênia: O IB enfrentou e enfrenta desafios diversos ao longo de sua história, sejam eles quanto ao recurso escasso para a pesquisa em algumas épocas, governantes que tiveram interesse na venda da sua unidade em São Paulo, redução de recursos humanos e outros tantos desafios das demandas técnicas por soluções do setor agro. Essas últimas, como relatadas acima, são sanadas com seu corpo técnico de excelência, atrelado aos equipamentos modernos que a instituição possui. A falta de recurso, especialmente em épocas passadas, oriundas do Tesouro do Estado, foi e é suplantada pelo envio de projetos para agências de Fomento, como FAPESP, CNPq, FINEP, FID, entre outras. Mais recentemente, especialmente após a Lei de Inovação Federal e posteriormente após o Decreto de Inovação do Estado de São Paulo, a parceria público privada é cada vez mais realizada, pela segurança jurídica que hoje os Institutos de Pesquisa do Estado possuem. A governança de projetos de Inovação Abertabe, o desenvolvimento conjunto com empresas em projetos específicos, estão bem implantados, o que permite a geração de conhecimento e transferência de tecnologia eficientes e rápidas. A nossa relação com a Sociedade Civil, especialmente com os moradores do bairro da Vila Mariana, no entorno do IB em São Paulo, permitiu que, à época, ao final da década de 1990, o prédio principal e construções anexas, fossem tombados pelo Patrimônio Histórico. Isso fez com que houvesse proteção do patrimônio, diminuindo o interesse pelo local em sua venda. O relacionamento com a sociedade está dentro das atividades do IB, que organiza, juntamente com a Associação de Moradores da Vila Mariana, o evento "Instituto Biológico de Portas Abertas". Já fizemos 30 edições, que trazem, em cada uma delas, temas científicos a serem abordados, mas de forma decodificada para a população. Os visitantes têm oportunidade de conhecer o que fazemos, além de passarem o dia em nosso parque, que é lindo. Enfrentamos sistematicamente, nos últimos 20 anos, a diminuição do corpo técnico e de apoio, devido as aposentadorias e falecimentos. Hoje estamos com concurso para contratação de novos pesquisadores, mas que ainda não supre a falta de concursos dos últimos tempos. Para que o IB possa entregar as soluções, se faz necessário ter o corpo técnico permanente, que é aquele que lidera as pesquisas, assim como de apoio, que tem importância fundamental para a construção do conhecimento. É importante ter a contratação sistemática para que o conhecimento permeie entre as diferentes gerações de pesquisadores e técnicos de apoio, dando continuidade às pesquisas.
Revista Canavieiros: Como o instituto tem colaboradocom outras instituições de pesquisa, universidades e organizações para promover a pesquisa e o desenvolvimento?
Ana Eugênia: Como informado acima, fazemos inovação aberta. Lideramos projetos de pesquisa, que interagem com outras instituições, trazendo para dentro do projeto, competências que o IB não possui. Tais instituições podem ser da iniciativa privada ou pública. As empresas interessadas nas soluções e serem desenvolvidas e no seu licenciamento, participam de tais projetos. A FAPESP, por exemplo, tem lançado editais importantes, onde os projetos devem se debruçar sobre desafios de difícil solução. A condução de tais projetos é multi/interdisciplinar. As diferentes instituições trabalham juntas, assim como as empresas da iniciativa privada, que também aportam recurso. Me refiro aos Centros de Ciência para o Desenvolvimento, onde o IB lidera dois deles.
Revista Canavieiros: Qual é o papel do Instituto Biológico na promoção da sustentabilidade e da conservação ambiental?
Ana Eugênia: O IB desenvolve suas pesquisas atreladas aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável.
Os projetos e prestação de serviços de análise de resíduos de contaminantes nos alimentos, como agrotóxicos e medicamentos na carne e leite; resíduos no solo e na água e intoxicação por abelhas. Tais pesquisas ajudam a Secretaria de Agricultura, em conjunto com a Coordenadoria de Defesa Agropecuária (CDA) e CATI (Coordenadoria de Assistência Integral) nas suas ações de vigilância, monitoramente e extensão. O próprio Controle Biológico é ferramenta fundamental para a busca de novos insumos, utilizando a biodiversidade brasileira, para a produção de produtos que impactem menos no ambiente e na saúde humana. Os projetos de manejo sustentável de pragas e doenças são o "core" das atividades do IB.
Revista Canavieiros: Quais são os planos futuros e as metas do Instituto Biológico para continuar servindo à sociedade nos próximos anos?
Ana Eugênia: O IB foca nas áreas a cima citadas. Já é a instituição brasileira com maior número de escopo para análises dentro da sanidade animal, vegetal e proteção ambiental. Nossa meta é dar suporte a todos os Planos Nacionais e Estaduais que necessitem de tais análises. Com a nossa fábrica de produção atual de antígenos para detecção de brucelose e tuberculose, temos planos, já em execução de aumentar nosso portfólio e especialmente de captar um maior número de empresas interessadas em desenvolver em conjunto com nossos técnicos, utilizando nossa capacidade em estrutura em equipamentos, utilizando as possibilidades que a Lei de Inovação norteia. Levar para o mercado, um número maior de insumos biológicos, aproveitando nossas coleções de microrganismos que possuem muitos isolados, com grande potencial. Por exemplo, a coleção de fungos do gênero Trichoderma, possui hoje 120 isolados com muito potencial.
Revista Canavieiros: Em sua opinião, qual é a contribuição mais significativa do Instituto Biológico para a ciência e a sociedade ao longo de sua história?
Ana Eugênia: Difícil dizer a contribuição que foi mais significativa, mas diria a primeira, que possibilitou todas as outras. A identificação da broca-do-café, que assolava os cafezais na década de 1920 e seu manejo e controle.
Revista Canavieiros: Que conselhos você daria para as próximas gerações de cientistas e pesquisadores que desejam seguir o caminho da pesquisa biológica?
Ana Eugênia: Fiquem no Brasil, lutem p ela ciência e inovação! Precisamos de bons cérebros. Nosso país é rico em biodiversidade, temos capacidade produtiva incrível, empresas nacionais fenomenais que precisam de soluções.