Cada vez mais o biogás vem ganhando forças e mostrando o seu potencial para se tornar um dos três grandes combustíveis do Brasil. O seu progresso tem papel importante no equilíbrio entres as fontes de energia, principalmente diante do aumento no consumo de eletricidade.
Para falar sobre as perspectivas para o biogás no Brasil e também como ele vem se desenvolvendo, a Revista Canavieiros conversou com Alessandro Gardemann, um dos fundadores da ABiogás (Associação Brasileira do Biogás e Biometano), onde, atualmente, é presidente.
Revista Canavieiros: O ano de 2019 foi positivo para o setor do biogás?
Alessandro Gardemann: Sim, 2019 foi um ano de consolidação para o setor e crescimento importante de 40% na oferta de biogás (na comparação com 2018), além do início da implantação de projetos cruciais para o desenvolvimento da matriz: o RenovaBio, que vai ressaltar a eficiência energético-ambiental do nosso combustível; o Novo Mercado do Gás, que irá redirecionar o setor e facilitar a inovação com a criação de novos projetos; a oferta de caminhões e tratores a gás no Brasil, que vão ajudar a descarbonizar a agroindústria e a oferta pelo BNDES de recursos do Fundo Clima para a implementação de projetos de biogás. Estamos com tudo pronto para fomentar a prática de projetos e oferta de biogás. A ABiogás atingiu quase 70 associados, o que mostra a representatividade da associação e nossos eventos (Seminário Técnico e o Fórum do Biogás) bateram recordes de público e conteúdo.
Revista Canavieiros: Com o início do RenovaBio, deverá haver um incentivo maior para o investimento em novas unidades de produção de biogás?
Gardemann: Em 10 anos de operação, acredita-se que a política possa ser responsável pela adição de R$ 1,2 trilhão na economia. O RenovaBio opera um sistema de compensação do carbono gerando créditos para os produtores de biocombustíveis na Bolsa de Valores ao mesmo tempo que obriga distribuidores de combustíveis fósseis a adquirir estes créditos. O biometano, combustível produzido a partir da purificação do biogás, tem a melhor nota por utilizar somente resíduos e pode, potencialmente, com adequação da regulação da pegada negativa de carbono, ser creditado tanto como produto, quanto com seu uso na produção do etanol, melhorando a sua nota.
Revista Canavieiros: O Novo Mercado de Gás, programa lançado pelo governo no meio do ano de 2019, trouxe uma nova perspectiva para as empresas de biogás que se posicionaram como complementares ao gás natural, com foco na interiorização do energético?
Gardemann: O Novo Mercado de Gás prevê ações em pilares que envolvem o possível crescimento do biogás: aumentar a geração de energia térmica, expandir investimentos em infraestrutura de gás, quebra do monopólio de transporte e distribuição da Petrobras. O biometano já é reconhecido e regulado pela ANP e, atendendo às normas da agência, é totalmente intercambiável com o gás natural, podendo entrar na onda de crescimento desse combustível, previsto pelo Novo Mercado do Gás. Temos potencial para ofertar gás onde não tem oferta devido à falta de infraestrutura de transporte e distribuição. A produção de gás descentralizada e perto dos locais de consumo acelera o desenvolvimento do mercado.
Revista Canavieiros: O biogás pode levar o setor brasileiro de cana para um novo nível?
Gardemann: Vemos uma relação muito interessante do biogás com o setor da cana-de-açúcar por conta do RenovaBio. O RenovaBio não será impulsionado com o setor, e sim o responsável pelo fomento do setor sucroalcooleiro, que teve anos complicados, como um incentivo de fontes alternativas como o biogás. Com o biogás integrado a cana-de-açúcar, surgem muitas oportunidades para aumentar a eficiência energética e a descarbonização do processo produtivo.
Revista Canavieiros: O biogás é a única fonte de energia primária com pegada de carbono negativa, ou seja, quanto mais for usado, mais limparemos a atmosfera dos gases de efeito estufa. Comente mais sobre isso, por favor.
Gardemann: Olhando apenas para os resíduos do processo produtivo, sim, o biogás funciona com pegada negativa. Ao trabalhar com a recuperação desses resíduos, transformamos um passivo ambiental em um ativo energético, evitando as emissões pela decomposição desses resíduos em outras formas de disposição.
Revista Canavieiros: A comercialização de CBIOs (Certificados de Descarbonização) irá impulsionar a indústria do biogás?
Gardemann: O biogás, além de ser um dos combustíveis (como o etanol e o biodiesel) capaz de gerar CBios, possui uma das melhores notas por utilizar resíduos como matéria-prima e ser de fonte celulósica, ele pode ajudar a descarbonizar a produção do etanol. Produtores que utilizarem biogás em sua frota ao invés de diesel terão notas melhores, ou seja, mais CBios para a mesma quantidade de etanol produzida.
Revista Canavieiros: O setor dispõe de tecnologia para empreendimentos economicamente viáveis, que podem transformar os resíduos orgânicos da agroindústria e do saneamento, descartados no meio ambiente e muitas vezes sem tratamento, em fonte de energia?
Gardemann: Com certeza, esse é o princípio do biogás. Vemos projetos surgindo de diferentes escalas e a perspectiva é que com o tempo a viabilidade seja cada vez melhor.
Revista Canavieiros: Atualmente o biogás corresponde a menos de 1% da matriz energética brasileira. Como a ABiogás vê esse número, existe uma margem para o crescimento?
Gardemann: Apesar da pequena participação na matriz energética como um todo, vemos um crescimento considerável da fonte em si nos últimos anos. Esse é o momento do biogás, é o momento em que vamos começar a ver o aumento da sua parcela no mix energético do país. Como forma de comparação, em 2015 estimamos que havia cerca de 150 usinas no país. As últimas atualizações mostram um número que ultrapassa 400 usinas. Nesse meio tempo, a capacidade instalada aumentou consideravelmente também por conta de grandes projetos na área de saneamento.
Revista Canavieiros: A abertura dos dutos para comercialização do gás natural se restringe à Costa já que o Brasil possui uma malha de distribuição reduzida?
Gardemann: Com a abertura do mercado de gás natural para o transporte e comercialização, avaliamos ser este o momento ideal para investimentos no setor. Particularmente para projetos de biogás, enxergamos aí uma janela de oportunidades principalmente para o interior do Brasil. Hoje o Brasil conta com uma infraestrutura de apenas 9,4 mil km de gasoduto, concentrado principalmente no litoral. Nossa missão será levar o gás onde ele não chega, ou seja, em áreas desprovidas de gasodutos, onde podemos gerar biogás a partir da matéria-prima local.
Revista Canavieiros: Um possível mercado para o biogás é o uso pelo setor automotivo como um substituto do diesel em veículos pesados como caminhões e tratores. Neste caso, uma das principais oportunidades estaria dentro das próprias usinas gerando uma redução de custos?
Gardemann: Quase 5% do consumo nacional de diesel é utilizado para produzir etanol em frotas dedicadas, que não rodam mais de 300 km por dia e com logística concentrada, condições perfeitas para substituição por gás. Hoje temos tecnologia e oferta de equipamentos de fábrica a gás, como nossa associada Scania, que está produzindo caminhões a gás aqui no Brasil, e a New Holland, que planeja produzir tratores no Brasil. Além disso, existe a possibilidade de utilizar tecnologias para conversão de motores diesel para serem flex diesel-gás, com uma importante economia.
Revista Canavieiros: O setor sucroenergético apresenta o maior potencial para a expansão do biogás, três vezes maior que o da agricultura e oito vezes maior que do saneamento. Como o setor do biogás vê o segmento sucroenergético?
Gardemann: O setor sucroenergético de fato detém o maior potencial de geração de biogás no país no caso de aproveitamento de todo resíduo da cadeia produtiva, representando 48% de todo o potencial nacional. O segmento é também um vetor interessante do uso de biometano, podendo internalizar o uso desse biocombustível na frota logística e no próprio maquinário com a criação dos caminhões e tratores movidos a gás. Outra opção é a comercialização do biometano. Vemos ações que podem ser atrativas, como as novas regulações que permitirão o swap de gás no Estado de São Paulo, estado que concentra parte significativa da produção de cana no Brasil.
Revista Canavieiros: Qual é a sua expectativa para o setor em 2020?
Gardemann: Estamos extremamente animados com os novos investidores, os novos projetos, as políticas públicas estabelecidas, as fontes de financiamento e o maior conhecimento sobre a Nova Geração do Biogás, que garante oferta com qualidade e volume do energético.