Xico Graziano fala do ENEM

14/12/2023 Noticias POR: Fernanda Clariano

Recentemente três questões da prova de ciências humanas do ENEM (Exame Nacional do Ensino Médio) foram alvo de críticas e pedido de anulação por parte da FPA (Frente Parlamentar da Agropecuária). Na visão da FPA, as questões 70, 71 e 89 apresentaram “cunho ideológico”, no que se refere ao agronegócio. Na questão de número 70, o autor do texto introdutório diz que a lógica que gera o desmatamento na Amazônia “está articulada pelo tripé grileiros, madeireiros e pecuaristas”. Já a questão 71 aborda a evolução tecnológica relacionada a viagens espaciais e a questão 89 cita a atuação do agronegócio no Cerrado refererindo-se ao setor de forma negativa ao abordar a “violência simbólica, a superexploração, as chuvas de veneno e a violência contra a pessoa”. A Revista Canavieiros conversou com o engenheiro agrônomo e doutor em administração, Xico Graziano, e nessa entrevista ele destaca sua perspectiva sobre as questões controversas relacionadas ao agronegócio no exame nacional. Confira!


Revista Canavieiros: Qual é a sua opinião sobre as questões relacionadas ao agronegócio brasileiro que foram incluídas no ENEM (Exame Nacional do Ensino Médio) recentemente? E quais são os principais equívocos que você identificou?

Xico Graziano: Várias questões, especialmente a pergunta 89, da prova de Ciências Humanas, expressam uma espécie de doutrinação ideológica existente na educação fundamental do país. Vimos apenas a ponta do iceberg. Nas escolas se transmite um saber enviesado, esquerdista, antigo e preconceituoso sobre a nossa agropecuária. É lamentável ver esse negacionismo sobre a moderna tecnologia impregnado na cabeça de muitos pedagogos e professores.


Revista Canavieiros: Como a representação do agronegócio nas questões do ENEM pode afetar a compreensão pública sobre o setor?

Graziano: É c laro q ue o s j ovens s e i nfluenciam p or e sse conhecimento deturpado, passando até talvez de forma inconsciente a pensar errado sobre o agro de seu país, levando a uma forma de menosprezo pela atividade rural. Por outro lado, muitas vezes as críticas são tão bobocas, tão fora da realidade, que os jovens devem escutar e simplesmente, depois ir comer um bom churrasco. Sim, pois o agro brasileiro está colocando comida boa e barata na mesa das famílias, essa é a realidade. Nossas virtudes suplantam eventuais problemas existentes.


Revista Canavieiros: Você acredita que o INEP (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira) e o ENEM tenham negligenciado essas questões?

Graziano: Vejam, o mais grave é, antes de tudo, ver o MEC utilizar na prova do ENEM um trabalho não referenciado, de conteúdo suspeito, cheio de falácias esquerdistas. Em nenhum país sério do mundo isso aconteceria.

Quem escreveu o artigo, base da questão do ENEM, que se responsabilize por sua cria. Agora, um órgão oficial tomar essa porcaria como referência de uma prova pública, aí não dá para aceitar.


Revista Canavieiros: Quais medidas podem ser adotadas para melhorar a qualidade das questões do ENEM relacionadas ao agronegócio no futuro?

Graziano: Basta trabalhar com seriedade nas questões acadêmicas, o que significa se pautar pelo conhecimento científico, não doutrinário. A educação tem dupla função: primeiro, ensinar aos alunos e, segundo, promover as pessoas através do senso crítico. Jamais uma sala de aula ou uma prova podem transmitir conteúdos tendenciosos.


Revista Canavieiros: Parlamentares ruralistas estão pedindo a anulação das questões por “negacionismo científico”. Em nota, a FPA (Frente Parlamentar da Agropecuária) afirmou que as questões foram “mal formuladas, de comprovação unicamente ideológica”. Qual é o seu ponto de vista?

Graziano: Anular ou não as questões sinceramente não me faz muita diferença, pois elas exigiam interpretação do texto, e os alunos devem ter acertado a maioria das respostas, que em geral eram óbvias, embora assentadas em conteúdos absurdos. O estrago já foi feito, o que não pode é ser repetido.


Revista Canavieiros: A Associação de Olho no Material Escolar tem desempenhado um papel significativo nos últimos anos, trabalhando para disseminar a realidade do agro brasileiro para professores e alunos. Por outro lado, o ENEM apresenta essas questões polêmicas num exame aplicado para quase quatro milhões de alunos que disputam uma vaga em universidades do Brasil. O que você tem a dizer sobre isso?

Graziano: A lição desse episódio é que nós, do agro, precisamos participar mais desse debate, como o faz exemplarmente o pessoal do movimento De Olho no Material Escolar. Eu adoro o trabalho deles, revendo os livros e as apostilas e organizando, ou estimulando, que as escolas levem seus alunos e professores para conhecer uma fazenda, sair do asfalto e conhecer a realidade rural. Ou seja, temos que nos expor mais, mostrar nossa cara, falar mais sobre nossas virtudes.